Figura onipresente e seminal do fusion no início da década de 1970, Billy Cobham tocou com John McLaughlin no Mahavishnu, com Miles Davis na sua fase elétrica e com Tommy Bolin na faixa “Stratus”, provavelmente a obra definitiva do estilo em seu disco “Spectrum”.
Vida longa a este literalmente senhor baterista que está prestes a completar 80 anos!
Alexandre Algranti - Qual sua tecnologia musical favorita?
Billy Cobham - Na faixa “Dance for Noh Mask” do meu disco “Picture This” têm um solo onde utilizo uma tecnologia híbrida com captadores nos aros que disparam um sampler E-Mu de 12 bits. Ele simula os sons das vozes da ópera japonesa que foram gerados pelos meus tons, bumbos e caixas. Então tem os sons das peles e os sons quando eu toco nos aros. (Vocaliza um som característico de ópera japonesa). Era um conceito de captadores da Roland lá de trás, era 1986. Nunca usei muito bateria eletrônica. No álbum “Tales from the Skeleton Coast” eu usei pads da Yamaha junto com os captadores. O que foi muito divertido é que o som não era necessariamente consistente. Às vezes estava lá e às vezes não. O equilíbrio entre a bateria e os instrumentos eletrônicos é muito volátil, você nunca sabe o que você vai obter até começar. Eu sempre retorno para o que eu sei melhor, que é a bateria acústica.
AA - Quais microfones você usa na sua bateria?
BC -Uso o AKG 414 vintage nos toms, o Shure B52 nos bumbos e o Shure 117, o Neumann U87 e KM 88 nos overheads. E em qualquer emergência uso o Shure SM 57 (risos).
AA - Você é mais minimalista na hora de microfonar ou prefere um microfone por instrumento percussivo?
BC -Eu prefiro um por instrumento, às vezes eu uso diversos Shure Beta 98 ao tocar ao vivo.
AA - E você é um artista mais analógico ou mais digital?
BC - Eu sou mais analógico e por isso não uso muita eletrônica. Eu gosto de tocar e manipular as características sonoras que eu crio na bateria. Eu não espero alguém colocar um sample nos meus tambores para esconder algo, eu prefiro controlar os sons diretamente. E por isso sou mais analógico.
AA - O que você acha da mixagem de clássicos em áudio imersivo? Eu tenho o seu disco “Sprectrum” no formato DVD-Audio, eu curti, mesmo achando que esses clássicos são sagrados para mexer…
BC -Eu prefiro a alta fidelidade em estéreo, direto de uma master analógica. O que é importante é ter aquele pré eco que diz a você onde as coisas estão indo porque é assim que nós falamos. Primeiro temos que ter uma idéia antes de falarmos algo, mas no digital isso não importa, começa imediatamente do zero.
AA - Como foi gravar “Tribute to Jack Johnson” e “Bitches Brew” com o Miles Davis? Você foi um gigante entre gigantes…
BC - (Risos). Eu não acho que fui um gigante, eu era um dos garotos tocando bateria na banda, e o gigante na sala era o cara com o trompete. Todos os outros eram pessoas comuns, e ele controlava o tráfego. Não ao falar, mas ao atuar. Tocando as notas, levantando a mão aqui e acolá, apontando para alguém, a mágica simplesmente aconteceu. O que foi especial naquelas produções foi o nível de respeito pelo Miles de todos na sala. Imagina entrar na sala e encontrar quatro tecladistas relativamente desconhecidos na época, não como agora, o Chick Corea, o Keith Jarret, Joe Zawinul e Larry Young? Todos no mesmo estúdio tocando quatro teclados diferentes ao mesmo tempo? E Miles regeu eles e eles respeitavam tanto o Miles e a música que estava sendo criada que nenhum deles tocou ao mesmo tempo e registro: estavam todos buscando uma forma de se encaixar em uma grande apresentação pessoal com todos os quatro. E depois tinha os baixistas, o Ron Carter no acústico, o Harvey Brooks no elétrico, o McLaughlin na guitarra, o Steve Grossman no saxophone, o Airto Moreira, e ninguém ficou na frente de ninguém. Demos o melhor que pudemos das nossas individualidades que incluiu quando tocar e não tocar. Eu nunca tive outra experiência como essa outra vez. Foi muito, muito especial.
AA - Parece o Dream Team da NBA em Barcelona…
BC -Este Dream Team em particular trabalhou somente contribuindo quando eles tinham que contribuir. O respeito por cada um era tanto que não precisávamos “overplay” uns aos outros. Na verdade eram cinco tecladistas, pois o Herbie Hancock apareceu depois e começou a tocar.
AA - Em qual dos dois discos você curtiu mais tocar? O meu é o “Jack Johnson”, eu escuto toda hora. Recentemente comprei no formato High Res Audio. É um disco fantástico.
BC -Neste disco a banda é menor e a música é muito mais espontânea. E é porque não era originalmente para ser assim. O disco tem pequenos fragmentos de ideias que queríamos explorar. O que mudou tudo foi quando entramos no estúdio e montamos os instrumentos e o Miles entrou na técnica por alguns minutos e o John (McLaughlin) começou a tocar um groove com o Michael Henderson no baixo, tipo um shuffle, e o John tinha umas idéias que acabaram no meu trabalho com o Mahavishnu Orchestra, cerca de um ano depois. E quando eu vi as minhas mãos começaram a se mover com a linha de baixo do Michael e aí decolamos cara. E o Miles veio e falou que tinha nos pedido para não tocar entre os takes, e na terceira vez que isto aconteceu ele mandou começar a gravar e o que era para ser uma uma sessão de seis horas começou às 22:00 e terminou às 00:30. Ele pensou que tinha tudo o que precisava e disse que nada chegaria perto do que tínhamos acabado de fazer.
E de novo o Herbie apareceu de surpresa, ele tocou um órgão da Farfisa que estava com defeito em algumas notas e não havia sido tocado durante anos, estava empoeirado e fora de afinação, mas o groove estava lá, foi uma situação tremendamente espontânea. O Herbie tinha acabado de voltar do supermercado, estava com as sacolas e tal. Ele tinha acabado de gravar o seu álbum “Fat Albert Rotunda”. E quando ele chegou o Miles mandou ele tocar. E o Herbie falou que não podia, pois tinha parado em fila tripla na rua 54 em Nova York, estava bloqueando os carros mas ele acabou gravando com a gente. Foi como uma providência divina. Não demorou para produzir. Quando você ouve o disco você vê que está tudo bem encaixado.
AA - Se você pudesse escolher músicos de qualquer era, com quem você montaria uma banda?
BC -Eu começaria com a Joni Mitchell nos vocais. Nunca trabalhei com ela, mas sou um grande fã. Seria muito divertido poder criar com ela. Eu praticamente toquei com todos que eu quis, e fiz o melhor que pude. E faria tudo de novo, porém tentaria fazer melhor. Muito do que faço hoje veio do meu aprendizado em tocar mais do que eu deveria ter tocado quando eu era mais jovem. Alguém me mandou uma gravação recentemente que fizeram sem eu saber, no Blue Note de Nova York em 2012 num trio de apoio com o McCoy Tyner e o Stanley Clark. Tocamos uma semana em Nova York e uma em Oakland na Califórnia, mas eu não sabia que havia sido gravado. Fiquei bem surpreso, foi como algo que alcancei, foi o mais próximo de ter tocado com John Coltrane.
AA - O que está rolando na sua playlist agora?
BC -Comecei a escutar uma trompetista chamada Tanya Darby, conheci ela ao procurar por um trompetista para a minha orquestra que estou montando aqui no Panamá. Ela é incrível, uma grande artista de jazz e ficamos amigos.
AA - Quando o veremos tocar no Brasil?
BC -Dias 15, 16 e 17 de Outubro próximos no Rio Montreux Jazz Festival. Estou bem animado.
AA - E como você cuida da sua audição ao tocar ao vivo?
BC - Eu uso os monitores auriculares do Michael Santucci da Sensaphonics de Chicago há uns 30 anos. Comecei a usar monitores auriculares com o Peter Gabriel em 1994. Minha audição não está comprometida, mas poderia ser pior se eu não os usasse. O Pete Townsend é um grande exemplo de onde as coisas podem chegar… Meus monitores são de três vias que me dão uma imagem sonora plena do que estou fazendo em relação aos outros músicos. E a minha performance musical fica melhor ainda. Estou tocando no nível mais alto que eu posso, e apoiando todos com a dinâmica, e projeto todo o sentimento internamente e externamente, onde me escuto com relação a todos os outros.
AA - “Stratus” é a faixa de jazz rock definitiva? Todo mundo já gravou. Jeff Beck, Stanley Clarke, o Mike Portnoy e até o Prince!
BC - Você pergunta isso para mim? (Risos). É uma pergunta interessante porque eu não sei com certeza. Eu acho que é uma faixa muito boa, mais definitiva? Eu amo a faixa, mas tem muita coisa boa também. Pode ter outras coisas melhores. Quando eu ouço o Prince tocá-la, com o seu estilo próprio, e depois com o Jeff Beck, e agora o McLaughlin, depois de todos esses anos, aí eu penso, talvez é possível que seja. Para os guitarristas as mudanças de acordes, você sabe, ela não foi composta com a simplicidade em mente. Eu compus como se aprende a digitar num teclado, com os dois indicadores, e você tem aquela melodia “du do du du du do”, num groove que se sustenta.
AA - A faixa soaria diferente sem o Tommy Bolin na guitarra?
BC -É claro ! E sabe porque ? Porque quando temos uma banda, o que vale é o que cada um traz para a mesa. Mas “Stratus” é a faixa definitiva que nunca ganhou nenhum prêmio.(Risos).
AA - Sério?
BC -O disco não chegou nem no status ouro. É o que faz esta faixa especial, todos tocam mas ela nunca ganhou nenhum prêmio. Ela representa tudo que é anti popular no mundo do entretenimento. Mas ela agradou as massas e nunca sumiu. Você encontra artistas que venderam milhões de álbuns tocarem essa faixa. Me lembra o artista Pee Wee Ellis que escreveu “The Chicken”, ele tocou sax com James Brown. Todo mundo toca “The Chicken”, mas no meu caso é pior porque “Stratus” nunca ganhou nada. E faz parte do tecido da música popular de hoje desde 1973. São cinquenta anos cara!
AA - Certamente será considerada como música clássica daqui a cem anos. Seus trinetos estarão muito orgulhosos. E o que você recomenda para os artistas que estão começando hoje no mundo da música?
BC - Tenha paciência. Vai demorar um pouco. Não estou sendo engraçadinho. Você vai cair, mas terá que se levantar para chegar onde você quer. Que inclusive pode ser um híbrido do que você pensava que queria. Mas a única maneira de descobrir isso é continuar tentando. Então você terá que ter paciência.