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SUMÁRIO / Colunas

Luzes, texturas e misturas: best of Blues and Rock Festival

26/08/2024 - 17:57h
Atualizado em 26/08/2024 - 17:57h


 

Na iluminação cênica dos espetáculos musicais, as técnicas, métodos e princípios aplicáveis a um determinado estilo, seja pela dinâmica ou estética sugerida, podem ser adaptáveis e mesmo sugeridos aos outros, intencionalmente e subversivamente. Isso se justifica, principalmente, pela hibridez que é identificada em praticamente todas as composições e produções na atualidade, mesmo para gêneros tradicionais como o Jazz e o Blues. Nesse último, a iluminação cênica passou por um processo de atualização conceitual e compositiva, com texturas e mesclas visuais diferenciadas, conforme será abordado nesta conversa.

 

O Blues, como gênero musical, estabelece-se como referência basilar na identidade cultural estadunidense do século XX, principalmente no campo musical, com significativas e decisivas influências que proporcionaram o surgimento do Rock’n’Roll – entre outros estilos - e que se amplificaram , inclusive, para outras áreas no campo do entretenimento.

 

Nesse contexto, o Blues também acompanhou as transformações e inovações tecnológicas, desde os registros fonográficos comerciais das primeiras décadas do século passado, atualizando-se pela incorporação de novos elementos e texturas, musicais e visuais. Com isso, nunca deixou de ser relevante, mesmo que muitas vezes segmentado ou segregado, e, mais que isso, passou a ser , nos anos 2000, um protagonista em diversos festivais musicais, como temática central de determinados eventos, tais como o aclamado Crossroads Guitar Festival (realizado desde 1999 em várias cidades nos Estados Unidos), e especificamente no Brasil, para citar alguns, o Rio das Ostras Jazz & Blues Festival (desde 2003) e o Best Of Blues Festival (desde 2013).

 

Desde a primeira edição, o evento “Best Of Blues Festival” tem proporcionado atrações e oportunidades para a oferta de shows únicos, exclusivos e inéditos. Na primeira edição, realizada em quatro datas apenas na cidade de São Paulo em 2013, o festival teve no line-up artistas como Buddy Guy, Dr. John, Chris Cornell, John Mayall, Nuno Mindelis, Taj Mahal e Shemekia Copeland.

 

Assim, ano após ano, além da diversificação de estilos (sendo o Rock’n’Roll incorporado na marca do festival), formatos e encontros, o evento também se expandiu e, para ser realizado em sua décima primeira edição, além da capital paulista, nas cidades do Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Curitiba, com combinações diferentes em cada seção.

 

Na capital paranaense, o “Best Of Blues and Rock Festival 2024” foi realizado em duas datas : no dia 23 de junho no Tork N’ Roll – com shows das bandas Hibria e Zakk Sabbath - e no dia 24 de junho na Live Curitiba, com shows de Joe Bonamassa e banda e da Eric Gales Band, sendo este o evento analisado nesta conversa.

 

Em sua segunda passagem por Curitiba (a primeira foi em 2003), o guitarrista e vocalista estadunidense Eric Gales, considerado prodígio no instrumento (começou a tocar guitarra com quatro anos e gravou seu primeiro álbum com quinze), aclamado como um dos melhores no instrumento por muitos músicos e revistas especializadas, apresentou um repertório com temas emblemáticos do Blues tradicional, mesclados com composições autorais e trechos de canções diversas, incidentalmente entregues com improvisos e solos virtuosos e enérgicos. Nessa oportunidade, apresentou diversas canções do seu último álbum, Crown, lançado em 2022, produzido por Joe Bonamassa e Josh Smith, tendo sido indicado ao Grammy Awards na categoria “Melhor Álbum de Blues Contemporâneo”.

 

Em praticamente uma hora de show, Eric Gales esbanjou técnica e carisma, acompanhado por uma excelente banda, formada pela esposa LaDonna Gales (percussão e vocais), Randy Stevenson (baixo), Trevor McKay (guitarra base) e Nick Heyes (bateria). Além de um entrosamento impecável, a banda desfilou alegria e intensidade desde as primeiras notas de Smokestack Lightning, uma releitura do Blues tradicional de autoria do cantor, compositor e guitarrista americano Howlin’ Wolf, com trechos da canção disco Miss You da banda inglesa The Rolling Stones.

 


Aspecto do show de Eric Gales e banda no Best Of Blues and Rock Festival (Live Curitiba) (24/06/2024). Fonte: Cezar Galhart.

 

Essa mistura musical também se refletiu nas texturas visuais do show, com predominância de cores quentes para canções muitas vezes carregadas de temáticas dramáticas e críticas, e frias para as faixas com tons melancólicos, proporcionando contraste conceitual e equilíbrio emocional para canções intensas e vigorosas.

 

Na sequência, You Don't Know the Blues, sétima canção do álbum Crown e Capoeira Jam (homenagem à canção Berimbau do violonista, compositor e cantor brasileiro Baden Powell) interligada com Put That Back, também do álbum Crown (décima canção). Nessa parte, a predominância de cores azuis, avermelhadas e violetas preencheu o palco com a profundidade necessária para a demarcação e direcionamentos aos músicos, com fachos, ora âmbar ora alaranjados ou esverdeados, produzindo combinações complementares propositais.

 

Steep Climb, do álbum Good for Sumthin' de 2014, com um poderoso e pesado riff associado ao Hard Rock, foi executada com uma iluminação que prezou por uma combinação de cores primárias e densas, com fachos marcantes e simétricos. Na continuidade, Too Close to the Fire (também de Crown), belíssima balada, com luzes mais difusas e fachos com movimentos circulares extremamente lentos, ambientando o palco com uma varredura visual instigante e sensível.

 

Para finalizar, um medley com versões de Voodoo Child (Slight Return) (de Jimi Hendrix), Für Elise (do compositor alemão Ludwig van Beethoven), Kashmir (da banda inglesa Led Zeppelin) e ainda um trecho de Back in Black (da banda australiana AC/DC). Luzes dinâmicas – em formas, cores e movimento – produziram um encerramento visceral, conduzindo a plateia, pelo poder comunicacional da iluminação, a um êxtase impressionante.

 


Aspecto do show de Joe Bonamassa e banda no Best Of Blues and Rock Festival (Live Curitiba) (24/06/2024). Fonte: Jayson Bauer.

 

Joe Bonamassa tem muito em comum com Eric Gales. Também prodígio que, igualmente, começou a tocar guitarra com quatro anos e fez vinte shows de abertura em uma turnê com B. B. King aos doze anos, ele tem na sua trajetória dezesseis álbuns solo de estúdio, lançados desde o ano 2000, cinco álbuns com a banda Black Country Communion, além de outras participações, seja como músico ou produtor.

 

Em sua terceira passagem pelo Brasil, sendo a primeira e tão esperada em Curitiba (conforme ele mesmo disse no show), Bonamassa se apresentou no festival acompanhado por uma espetacular banda formada pelo lendário músico Reese Wynans (órgão e teclados, ex-integrante da banda Double Trouble do genial guitarrista e cantor Steve Ray Vaughan), Josh Smith (guitarra), Calvin Turner (baixo), Lemar Carter (bateria e percussão), Jade MacRae e Dannielle DeAndrea (backing vocals e percussão).

 

Desde a primeira canção autoral Hope You Realize It (Goodbye Again), Bonamassa intercalou canções do último álbum, Blues Deluxe Vol. 2, lançado em 2023 (com predominância de covers), com outras canções de sua significativa carreira. Essencialmente marcado pelo Blues Rock, Bonamassa consegue incorporar diversos elementos à sua sonoridade, comumente tachada como Blues Contemporâneo, com performances carregadas de dramaticidade e emotividade – elementos que também estão presentes na iluminação cênica, com fachos bem definidos, intensos, principalmente estáticos ou com transições muito lentas.

 

Numa sequência do álbum Blues Deluxe Vol. 2, apresentou as canções TwentyFour Hour Blues (cover do cantor estadunidense de Blues Tradicional Bobby “Blue” Bland) e Well, I Done Got Over It (cover do guitarrista estadounidense Guitar Slim), cuja iluminação entregou fachos estáticos em cores vermelhas que cortavam o palco, uniformemente iluminado com diagonais assimétricas e instigantes.

 


Aspecto do show de Joe Bonamassa e banda no Best Of Blues and Rock Festival (Live Curitiba) (24/06/2024). Fonte: Cezar Galhart.

 

Na sucessão das ótimas canções Self-Inflicted Wounds (balada do álbum Redemption, de 2018) e I Want to Shout About It (mais um cover do álbum Blues Deluxe Vol. 2, desta vez de autoria da banda estadunidense Ronnie Earl and the Broadcasters), houve contrastes temáticos com sincronismos sóbrios e estáticos para a primeira, e dançantes e alegres para a segunda, contextualizados com temas sociais relevantes e luzes vibrantes.

 

Nas canções seguintes, The Last Matador of Bayonne (do álbum Dust Bowl de 2011) e I Feel Like Breaking Up Somebody's Home Tonight (cover da cantora e compositora americana Ann Peebles, canção integrante do álbum ao vivo Live at the Greek Theatre de 2016), mais contrastes: enquanto a primeira, mergulhada em um conto conduzido por dor e melancolia , trouxe uma composição cênica mais austera, a segunda, dançante e otimista, proporcionou uma experiência visual alegre e envolvente.

 

Na canção The Heart That Never Waits (do álbum Time Clocks de 2021), luzes azuis, uniformemente distribuídas, faziam todo o preenchimento cênico, com outras direcionais estabelecendo marcações e interrupções, para solos e improvisos brilhantemente realizados. Na belíssima balada intitulada Is It Safe to Go Home (também integrante de Blues Deluxe Vol. 2), luzes sequenciadas para a simulação de um céu estrelado, com variações coordenadas e repetidas, mesmo que produzidas com atratividade e dinamismo.

 


Aspecto do encerramento do show de Joe Bonamassa e banda no Best Of Blues and Rock Festival (Live Curitiba) (24/06/2024). Fonte: Cezar Galhart.

 

Para encerrar, Bonamassa proporcionou um momento memorável ao chamar Eric Gales ao palco para a canção The Ballad of John Henry, do álbum homônimo de 2009, com duelos de guitarras e mais de treze minutos de pura expressividade, com o espaço cênico preenchido com luzes predominantemente avermelhadas, somadas às múltiplas variações de fachos brancos e âmbar e intensidades, movimento, alternâncias de cores e efeitos, culminando em um final apoteótico e empolgante.

 

Com esse evento, ratifica-se a relevância e atualidade do Blues, como matriz basilar para a música contemporânea e gênero musical generoso, capaz de integrar diversas texturas, inclusive visuais, no âmbito dos festivais e espetáculos. Que venham mais shows e festivais de Blues!

 

Abraços e até a próxima!

 

 

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