Anuncio topo
SUMÁRIO / Colunas

Encontros musicais com Gal Costa

10/11/2022 - 05:47h
Atualizado em 08/11/2023 - 22:08h

Fotos: Julia Rodrigues - Biscoito Fino / Marcos Hermes / Divulgação

 

Lá pelo final da década de 60 eu fazia junto a um grupo de jovens autores / cantores um musical da TV Excelsior paulistana. Era então contratado do empresário Guilherme Araújo e ia frequentemente a seu escritório, uma sala no prédio do Cine Ricamar, em Copacabana. Um belo daqueles dias Guilherme me apresentou a uma garota muito tímida (e muito bonita):

 

- Sá, essa é a Gracinha. Chegou há pouco de Salvador e vai gravar uma faixa com a Bethânia. Mostra umas músicas pra ela.

 

Peguei o violão e fui cantando algumas coisas, tanto inéditas quanto já gravadas. Gracinha gostou de uma em particular, "Sá Menina", que já estava sendo gravada pelo MPB4:

-Que linda! Quero essa!

 

Expliquei que tinha prometido exclusividade ao MPB4. Usava-se isso naquele tempo e não era nada ético desrespeitar tal promessa, ainda mais feita a amigos. Gracinha ficou desconsolada, mas ainda assim cantarolou um trechinho que já tinha decorado.  Fiquei boquiaberto com a voz da menina. Um pássaro voou por ali.

 

 

Passei dias pensando num jeito em desfazer a exclusividade com os rapazes do MPB4, mas não tive coragem. Eles também gostavam muito da música e tínhamos ficado amigos dividindo o palco num musical do Grupo Opinião,  "Samba Pede Passagem". Voltei na semana seguinte e expliquei a Guilherme meu dilema. Ele não ligou muito para o caso:

 

-Bobagem. Deixa os dois gravarem. Mas olha, queria tua opinião em outro assunto. O que você achou da Gracinha?

-Nossa, Guilherme, que voz...

-É. Mas "Maria da Graça" não é nome de artista. O que você acha de "Gal"?

 - Gal... porque "Gal"?

- É sonoro. Fácil. Junta bem com o sobrenome dela... Gal Costa...

 

 

Guilherme costumava consultar amigos e contratados para tomar essas decisões. Acabei concordando com ele que "Maria da Graça" não combinava com aquela figura suave e tímida de Gracinha. Mal sabia eu o quanto ele estava certo prevendo aquilo que - anos mais tarde - o palco revelaria quando do lançamento do show "Gal Fa-Tal", que assisti mais de uma vez deslumbrado pela menina baiana que se transformara de brisa em furacão.

 

Volta e meia nos encontrávamos pelas rodas musicais da vida. Ela sempre carinhosa e brincando comigo, sabendo o quanto isso me afligia:

- E minha "Sá Menina", hein?...

 

No disco "Profana", de 1984, gravou "Atrás da Luminosidade" parceria minha com Teca Calazans. Recebi um telefonema da editora: Gal queria mudar duas palavras da letra. "De não ter direção, cair no chão ", que ela achava negativo, ficaria " sair do chão ". Pela mesma razão,  queria mudar "de bar em bar" para "de rua em rua". Concordei, claro. Num outro encontro, meses depois, ela daria risada falando disso comigo:

- Agora me vinguei.

 

Mas que doce vingança da negativa de "Sá Menina": a bordo de um esfuziante arranjo de Lincoln Olivetti, Gal passeia pela intrincada melodia de Teca como se estivesse brincando nas ruas de Salvador.

 

E agora, lá se foi Gracinha, sem mais, de repente, deixando seu desolado companheiro de signo e artes lembrando essas pequenas passagens de uma vida veloz.

 

Adeus, menina.

 

 

 

  • COMPARTILHE
voltar

COMENTÁRIOS

Nenhum cadastrado no momento

DEIXE SEU COMENTÁRIO

Escreva sua opinião abaixo*