TBT Backstage: Gilberto Gil e Stevie Wonder em Copacabana
16/12/2020 - 16:13h
Atualizado em 17/12/2020 - 15:59h
Reportagem: Miguel Sá / redacao@backstage.com.br | Fotos: Ernani Matos / Internet / Divulgação
Músicos exigentes, bandas grandes, equipamentos de ponta, engenheiros de som de primeira linha: o show em Copacabana com Stevie Wonder e Gilberto Gil teve tudo o que se espera de um encontro entre dois dos maiores artistas da música mundial.
Às 20 horas em ponto, no dia 25 de dezembro de 2012, as novas JBL VTX do PA e as Vertec das torres de delay amplificaram os acordes de Realce, com Gilberto Gil, para as cerca de 400 mil pessoas presentes na praia de Copacabana. Exatamente duas horas e 15 minutos depois, seria a vez de Stevie Wonder comemorar o Natal com o público. Tanto um como o outro compareceram ao palco apoiados por bandas grandes – fora as duas estrelas da noite, eram doze com o baiano e treze com o norte-americano.
Um time de primeira mixou o som que ia para o público e os músicos. Na housemix, os dois artistas apostam em parcerias duradouras: Leco Possolo está com Gil há dezenove anos. Danny Leake mixa os mais de 100 canais do input list de Stevie Wonder há vinte e dois. No palco, João Ribeiro cuidou das mixagens do brasileiro. Já o monitor de Stevie e banda é dividido em duas mesas: uma para o cantor e os vocalistas de apoio e outra para os instrumentos. As mixagens são feitas, respectivamente, por Dwayne Jones e Vito Tanasi, este há 17 anos trabalhando com Wonder. A Gabisom foi a empresa escolhida para fornecer o equipamento e dar suporte a esta constelação de grandes músicos e técnicos brasileiros e norte-americanos.
SONORIZAÇÃO Eder Moura foi o técnico da Gabisom responsável pelo sistema de sonorização do evento e pelo suporte aos técnicos no palco. Thiago Furlan e Luis Blas deram apoio a Leco Possolo e Danny Leake na housemix. A equipe chegou na sexta-feira anterior ao evento, que aconteceu em uma terça. Houve um ligeiro atraso na montagem por conta das adaptações que foram necessárias no palco preparado, inicialmente, para o ano novo de Copacabana.
O sistema de sonorização básico foi montado com 18 caixas VTX em cada lado do L&R, mais 14 VTX para reforçar a sonorização na Avenida Atlântica, logo ao lado do palco, no lado direito da plateia. Quatro caixas VTX foram usadas no front fill. A amplificação do sistema foi feita com os Crown IT HD 12.000. A configuração da cobertura foi feita usando o software da JBL, Array Calculator. O processamento das caixas VTX é interno, como explica Thiago Furlan. “Tem um processador Omnidrive HD dentro da caixa. Só estou usando o Dolby Lake para equalizar e distribuir o sinal pelo sistema”, comenta.
Os subs usados foram os 4880, do sistema Vertec, com amplificação da linha K, da Powersoft. Para cobrir o público esperado, de 500 mil pessoas, foram ainda montadas quatro linhas de delay com 12 caixas JBL Vertec 4889 – seis no L e seis no R – em cada uma delas. A última linha foi montada a 400 metros do palco. A amplificação utilizada foi Lab.gruppen e o processamento XTA. Os tempos do delay foram ajustados no Dolby Lake.
Na housemix, foram montadas uma Digidesign Profile para o som de Gil e uma Digico SD7 para Stevie Wonder. No palco, a mixagem dos brasileiros foi feita em uma Yamaha PM5D. Duas Digico SD7 foram usadas pela equipe de Wonder para as mixagens de monitor dos músicos, que se escutavam de diversas formas: “Tem misto de monitor de chão, ear sem fio e ear com fio. O sistema side fill é só para o Gil. Mesmo os músicos que usam caixa, usam ear também” explica Eder Moura.
O SOM DO GIL Para Leco Possolo, a maior diferença deste show para os outros de Gil é apenas o tamanho da banda. “Neste temos uma sessão de sopros, com Marcelo Martins no sax, Jessé Sadoc no trompete e Aldivas no trombone, e mais duas backings”. Os outros músicos da banda são Jorge Gomes na bateria, Arthur Maia no baixo, Cláudio Andrade nos teclados, Sérgio Chiavazzoli e Bem Gil nas guitarras e Gustavo Di Dalva na percussão.
Leco costuma mixar em estéreo, mas sem abrir muito o L&R. “É só mesmo para descongestionar o centro”, justifica. Para o show em Copacabana, o técnico de som optou por fazer a mixagem do zero, sem o uso de presets. “É muito prático ter a cena pronta, mas é muito legal começar do zero porque se presta atenção em detalhes que passam despercebidos. Quando tenho tempo prefiro partir do zero”.
Leco Possolo teve uma Digi Profile à disposição na house mix. Ele gostou da sonoridade do sistema VTX, da JBL.
O técnico de som usou os plug-ins da mesa da Digidesign para acrescentar efeitos na mixagem. “Normalmente uso um (reverb) hall nas vozes e flautas e um plate nas harmonias. Também coloco alguns delays pontuais na voz do Gil, tudo operado em tempo real”, detalha Possolo. Leco gostou do sistema JBL VTX, mas fez uma observação com relação à posição da housemix, que não era no centro do L&R. “Gostei bastante do sistema VTX. Achei as altas bem mais definidas que no JBL antigo. O problema é que, como estamos em frente a apenas um dos PAs, quando eu vim para o centro, a resposta que eu tive de graves foi completamente diferente da que havia na housemix. Estamos trabalhando em tempo real, mixando uma coisa para o público ouvir. Você tem que estar no centro, porque se não tiver alguma coisa boa, as pessoas criticam é a mim”, enfatiza.
Para a voz de Gil, além do microfone AKG C5, Leco usa um compressor valvulado Avalon. “Além de dar aquela esquentada bacana, ele consegue ajudar a trazer a voz mais pra cima”, diz Leco Possolo. João Ribeiro, técnico de monitor, faz mixagens individuais para cada um dos músicos. “A única diferença de hoje para os shows que fazemos normalmente são os sopros e o vocal. Cada músico tem a sua mixagem individual. Uma estéreo, outras mono, mas nada misturado. Cada um tem a sua”, explica. Normalmente João mixa sem efeitos e nesse dia, ele usou apenas um pouco de reverb na voz de Gil “só para dar um ambiente para ele”. O único músico que usa monitores de chão é o baixista Arthur Maia. Os outros usam sistemas in-ear da Sennheiser. Gil usa sistema da AKG. O técnico opera ainda duas pedaleiras de Gil, uma para o violão, outra para guitarra. “Eu vou ativando e mexendo de acordo com a música. É como se fosse um periférico outboard “, detalha.
Assista acima a entrevista exclusiva com o técnico de monitor João Ribeiro e Gilberto Gil
STEVIE WONDER: DUAS CONSOLES PARA O MONITOR Dwayne Jones, que mixa para Stevie e os quatro vocais de apoio, procura montar uma mixagem com cara de CD para Stevie Wonder. “Ele gosta de ouvir todos os instrumentos, com profundidade, como se estivesse ouvindo uma gravação”, ressalta. Jones usa pouco efeito e explica que prefere usar o ambiente do local do show e do público. “Um reverb natural”, pontua o engenheiro de som. Vito Tenasi conta que, além de ouvir bem os próprios instrumentos, os músicos precisam ter os teclados de Stevie bem presentes na mixagem. A mixagem é sem efeitos. “Apenas o violão tem um pouco. O naipe de sopros também tem um reverb só para eles mesmos”. Para se ouvir, os músicos usam, em sua maioria, in-ear. O baixista usa monitor de chão, o baterista usa in-ears estéreo mais monitor de chão mono, além do subgrave, e o tecladista usa in-ear estéreo mais uma caixa com mixagem mono bem atrás dele. “Alguns dos componentes da banda não gostam de ter muito vocal em suas mixagens”, finaliza Vito.
Dwayne Jones e Vito Tanasi ressaltam a importância de sempre conversar com Danny Leake sobre os equipamentos a serem usados, como os microfones. “Ele é o que trabalha há mais tempo com Stevie e não abro mão da expertise dele”, diz Jones. Leake começou a trabalhar com Stevie Wonder em um show bastante difícil: era um concerto do músico com banda e orquestra. Mas tudo deu tão certo que o engenheiro de som está há 22 anos com o astro. Leake é mais um fã do analógico que se rendeu às facilidades do digital. Com o número de canais com o qual trabalha – 112, nos quais entram os muitos instrumentos dos treze componentes da banda, mais os teclados de Stevie – fica, efetivamente, muito mais razoável fazer o show com as Digico D7 que com mesas de som analógicas. Com exceção dos compressores Avalon, usados para as vozes de Stevie e dos vocais de apoio, ele usa todo o processamento de áudio – de compressores a efeitos – da própria mesa. “Às vezes também uso pré-amplificadores John Hardy M1”, observa Danny Leake. Stevie usou microfones Shure KSM 9.
O engenheiro de som trabalhou em dois lugares bem diferentes: um teatro, o Centro Cultural João Nogueira, antigo Imperator, com capacidade de até mil pessoas, e a praia de Copacabana, onde fez som para mais de 400 mil pessoas. “A principal diferença é o fato de que este foi ao ar livre. Você provavelmente vai se pegar usando mais reverbs e efeitos do que faria em um lugar fechado ou uma arena. O vento fazendo as altas “flutuarem” é também um fator, mas eu realmente não fico pensando nisso. Apenas reajo ao que eu escuto na hora, não importando muito que local é”, explica.
Um dos fatores ao qual Danny reagiu em Copacabana foi a resposta do sistema VTX, da JBL. “O Vertec é, para mim, um sistema mais para rock. Ele é brilhante e vem ‘na cara’ . Nem sempre você quer isso. Às vezes, prefiro um som maior, mais quente. O VTX no qual eu mixei fez isto por mim. No Vertec, eu tenho que cortar um monte de coisas para que ele soe como gosto”, opinou. Outro fator, sempre presente, são os músicos que tocam com Stevie. Danny ressaltou o quanto eles facilitam o trabalho. “São todos grandes músicos”, destaca. Tocaram em Copacabana Chris Johnson na bateria; Nathan Watts, com Stevie desde os anos 1970 e também diretor musical, tocou o baixo; nas percussões, Munyungo Jackson e Roland Garcia; Roman Johnson e Victoria Theodore tocaram os teclados; Errol Cooney & Kyle Bolden cuidaram dos violões e guitarras; os sopros foram tocados por Dwight Adams e Ryan Kilgore e os vocais de apoio são de Aisha Morris, Judith Smith, Keith John e Lanesha Baca.
ALEGRIA DE TOCAR A apresentação de Gil e Stevie mostra bem como a tecnologia pode ajudar o talento genuíno. Gil, velho de guerra de tantas roubadas por um Brasil onde já foi bem mais difícil ter um equipamento de qualidade, sente-se bem à vontade com ferramentas como os in-ears. “A monitoração com os fones, que limpa o som e podem ter qualquer instrumento da banda, ajuda muito. Poupa a voz. Essas mesas digitais: você faz a passagem de som, grava no cartão digital e quando você volta (para fazer o show) a mesa pode até ter sido usada por outro, mas voltam todos os níveis que você havia deixado, isso facilita muito”, comemora.
Já Stevie parecer ter uma confiança inabalável tanto no seu taco como na audiência brasileira. É preciso coragem para chegar a uma plateia de centenas de milhares de pessoas e começar o show com uma música não tão conhecida do grande público daqui, como foi o caso de What a Wonderful World This Would Be, e o show funcionar. Ainda que os arranjos dos sucessos sejam bem na cola das gravações originais, a banda toca relaxada e há bastante espaço para os improvisos de Stevie Wonder.
No fim, tanto Stevie Wonder como Gil – com a sua muito incrível banda - lembram que pode haver vida musical real no pop. Em ambos os shows, a qualidade dos músicos fica ressaltada pelo entrosamento deles e pela qualidade que Leco Possolo e Dany Leake imprimem ao som. No fim, eles provam que belas canções, músicos com um mínimo de liberdade para tocar e um pouquinho de dinâmica podem sim fazer sucesso, apesar de ter gente que diga o contrário.