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Streaming

21/01/2020 - 11:09h
Atualizado em 30/07/2020 - 10:40h

redacao@backstage.com.br
Repórter – Miguel Sá | Fotos: Divulgação / ECAD / Freepik 

Os últimos 15 anos foram difíceis para o negócio da  música, mas nos últimos três o streaming começa a se consolidar como o caminho a ser trilhado. Por conta disso, da produção à arrecadação, passando pelo áudio, os profissionais do mercado começam a ajustar direções.

De acordo com relatório da Federação Internacional da Indústria Fonográfica (International Federation of the Phonographic Industry - IFPI), o mercado mundial de música gravada cresceu 8,1%. Já é o terceiro ano consecutivo de crescimento com uma das maiores taxas desde que isto começou a ser verificado, no ano de 1997. 
Em oito dos dez principais mercados de música foi constatado um aumento das receitas. Aumento este impulsionado pelo streaming, especificamente o de áudio por assinatura feito a partir de plataformas como Spotify ou Deezer. Destas receitas crescentes, 54% vem do comércio de arquivos digitais de música, o que representa, em valores, U$6,6 bi, sendo que 41,1% vem do streaming. No relatório da IFPI estão incluídas vendas físicas, receitas do setor digital, direitos de execução pública de produtores, artistas e músicos e música gravada usada na sincronização em publicidade e audiovisual.
Até o fim de 2017, havia 176 milhões de usuários que pagam assinaturas nas plataformas de streaming, sendo 64 milhões novos adeptos a partir daquele ano. Mas isso tudo ainda acontece em um mercado que, no período do relatório, representava 68,4% do que era em 1999. O declínio da venda por donwloads em -20,5% e das vendas físicas em -5,4% em contraposição ao aumento das vendas via streaming mostram que este último deve ser o caminho do mercado da música gravada após 15 anos de incertezas.

Brasil
Ainda de acordo com a IFPI, a América Latina-  na qual o Brasil é o maior mercado -  é a região de maior crescimento em porcentagem, com um aumento de 17,7%. Especificamente no Brasil, de acordo com o relatório da Pro Musica Brasil, o aumento em 2017 foi de 17,9% com relação a 2016. Os critérios usados são os mesmos da IFPI, levando em conta as vendas digitais, físicas, a execução pública e sincronização.


O mercado brasileiro teve um incremento acima da média mundial (8,1%), mesmo em um contexto político e econômico adverso. Depois de uma década, a taxa de crescimento de 17,9% do mercado brasileiro representa o maior salto em dez anos. Deste crescimento, 60,4% (US$ 178,6 milhões em valores) é da área digital, na qual o streaming interativo cresceu 64% em relação a 2016. O streaming já é, hoje, a maior fonte de receita para a música gravada no Brasil. Aos poucos, quem lida com este mercado começa a se adaptar ao novo contexto e a se movimentar para assimilar as mudanças. 

Arrecadação
Uma das questões  principais no streaming é a remuneração dos criadores. Já transitou em julgado, no Superior Tribunal de Justiça (STJ) a decisão de que o streaming interativo é, efetivamente, execução pública. De acordo com o entendimento dos ministros do tribunal, a internet é um local de frequência coletiva onde há transmissão de dados e informações no streaming. Por conta do grande alcance da internet, a disponibilização decorrente da transmissão se caracteriza como execução pública. Desta forma, o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD) começou a procurar acordos com as plataformas que ainda não recolhiam esses valores, como explica a superintendente do órgão Glória Braga.  “A questão está pacificada a partir do nosso entendimento e, graças a isso, estamos intensificando nossos contatos com plataformas digitais. Firmamos contrato com o Youtube, Facebook e estamos em vias de fechar com a Globoplay”, detalha.


Nos contratos fechados atualmente, a cobrança, no caso do streaming, é feita a partir de um percentual da receita das plataformas que, por sua vez, informam ao ECAD as músicas e a quantidade de vezes em que foram executadas. “A quantidade de músicas é muito grande, porque as plataformas tem um acesso muito significativo, então o valor das músicas ao final dessa conta ainda é um valor pequeno. Mas o que entendemos é que esse é um momento de consolidação do mercado. Há muitos aspectos em observação e esses contratos que estão sendo assinados serão renovados no futuro. Essas questões de valores e informações sobre as músicas executadas serão todas revistas ao seu tempo. O ECAD é que negocia e faz os contratos com essas plataformas e estamos sempre avaliando se os resultados estão agradando os detentores dos direitos. O licenciamento inicial foi feito, mas com a possibilidade de, na continuidade das renovações, outras questões serem aventadas, corrigidas e melhoradas”, explica a superintendente do ECAD.

Tecnologia
Ainda que o segmento do streaming tenha o maior crescimento entre todos do mercado de música gravada, os valores ainda não chegam, de acordo com Glória Braga, aos arrecadados junto à TV aberta e por assinatura ou rádio. No entanto, os volumes de execução musical na transmissão por internet acontecem em uma escala muito grande. Por isto, para fazer a arrecadação, foi necessário tanto construir procedimentos novos como montar uma infraestrutura dedicada. É o que nos expõe o gerente executivo de tecnologia da informação e de planejamento estratégico do ECAD José Pires. “No contrato já fica estabelecido que as plataformas - assim como qualquer cliente que utilize músicas, como o rádio e a TV - tem obrigação de declarar o repertório utilizado. Mas no caso do streaming o volume é gigantesco”, ressalta. 


Ainda que haja a questão do volume de músicas executadas, as informações para a arrecadação no streaming são as mesmas necessárias para outros segmentos: a música, o autor e percentual para fazer o pagamento. As plataformas digitais, assim como acontece em outras mídias, tem que declarar o repertório utilizado. “Nós temos um formato de dados eletrônicos para isso. Aí eles mandam essa declaração do repertorio através de uma transferência eletrônica. Isso é colocado em uma área nossa de transferência de arquivo que eu abro para cada player fazer esse depósito do repertorio utilizado. Depois, pegamos essas informações deles, que são as necessárias para identificar a música, o autor e o percentual para fazer o pagamento, e cruzo com as nossas em um processo tecnológico que chamamos de matching”, detalha Pires.


Os acertos para essa troca de informações entre ECAD e as plataformas digitais são feitos em reuniões técnicas na ocasião em que os contratos  são assinados. “Não é que o sistema deles está ligado no meu. São procedimentos. É uma área de transferência. Tudo eletrônico. Eles entram na minha área de arquivo, depositam o reatório, o meu sistema vai lá, pega e identifica. Isso é automático, As plataformas tem uma periodicidade para fazer isso por contrato. Então pegamos o relatório e processamos, por matching de dados, para fazer o pagamento. Porque tem que ser feito assim? Porque o volume de dados é gigantesco”, observa o gerente executivo de TI do ECAD.


Todo esse processo tecnológico garantiu ao Ecad o 1º lugar na categoria Serviços do prêmio As 100+ Inovadoras no Uso de TI, concedido pela empresa IT Mídia em 2016. “Tivemos um prêmio que foi em relação ao rádio, depois TV, com captação e identificação eletrônica.  O que acontece (de diferente no streaming) é esse matching, e ganhamos um premio para esse processo. São volumes surreais. O ECAD teve que investir em infra estrutura, servidor e linha de transmissão de dados para não ter gargalo de infra estrutura e poder receber esses dados. E isso é feito constantemente. Sempre estamos avaliando estrutura e quantidade de armazenamento”, ressalta José Pires. “A música não pode ficar fora da transformação digital. É uma mudança de mentalidade. Não é só tecnologia, é comportamento. Se uma pessoa não quer ter todas as musicas do Queen, ela baixa quatro. Hoje eu quero e me oferecem o que eu quero. E são essas plataformas que dão essa facilidade pra gente”, completa o gerente. 

 

redacao@backstage.com.br | Repórter – Miguel Sá | Fotos: Divulgação /ECAD

A qualidade do som da música que baixamos no nosso dia a dia é uma questão para quem trabalha no áudio.

Se nos últimos 15 anos aconteceu, para os profissionais da área musical, a travessia de um período tempestuoso, agora se começa a ver uma luz no fim do túnel, e ela está no streaming. Mas, para identificar as oportunidades, é preciso ter clareza sobre a configuração atual deste mercado. Desde o início dos anos 1990 Carlos Freitas trabalha na área da produção musical que faz a finalização da música para ela ser entregue ao grande público: a masterização. 


No decorrer desses quase trinta anos, o engenheiro de masterização presenciou o momento do início do CD, da remasterização dos fonogramas analógicos para digital, do DVD e, finalmente, o momento em que a mídia física fica em segundo plano. “O grande problema para ter um áudio de melhor qualidade em termos de resolução é porque os celulares não conseguem ter um espaço de 40, 50 mega para cada música. Você está competindo com espaço de foto, aplicativo, e não vai botar um disco de 400 mega. Isso foi resolvido com o streaming. Ou seja, você não precisa ter as músicas no seu celular. Quando chegou o streaming, com o Spotify, se percebeu um modelo novo. Então a música começou a se organizar”, constata o engenheiro de masterização.


Carlos Freitas descreve, então, o processo técnico de aperfeiçoamento que aconteceu no mercado de streaming interativo. “Começou a se perceber que a música, indo para a internet, precisaria fazer uma normalização de áudio, porque quando ela chega muito alta no processo de encode e decode (a preparação do arquivo de áudio para ser colocado nas plataformas digitais) é criada uma distorção. Então eles pegaram uma carona no sistema de normalização de áudio na TV e implementaram ele no streaming”, expõe. A consequência disso para a masterização é que o processo técnico de adaptação do fonograma a cada meio pode acabar interferindo na intenção artística do som, situação à qual o engenheiro de master tem que se adaptar. Por isso, hoje, Carlos Freitas faz o trabalho em duas etapas: uma artística e outra mais técnica.


Do ponto de vista artístico, Carlos Freitas defende ainda que as mudanças não são tantas no trabalho de masterização, mesmo com o formato do álbum colocado em segundo plano. ““Nessa parte, acho o timbre, o conceito estético da música e do próprio álbum utilizando principalmente equipamentos analógicos. Eu pergunto ao cliente se vai ser um single isolado. Se for um single de rock, por exemplo, temos as referências de rock sobre o que soa bem nas plataformas digitais. O Lenine eu sei que gosta muito de grave, então trabalhamos a estética sonora dele pensando nisso. Quando chegam outros singles (do mesmo trabalho) aí entro no ‘álbum mode’. Então comparo uma música com a outra e começo a criar uma coerência entre os singles. No disco novo do Zeca Baleiro estamos fazendo assim. Embora as músicas sejam diferentes, já tem uma cara para o álbum. E também tenho aquele parâmetro da sala, que conheço e sei que a quantidade de graves vai soar bem.  Acho que o álbum ainda vai permanecer, porque o single pode se perder nas plataformas. No álbum, se clica uma musica, aparecem outras. Então acho que o formato do álbum e do EP vai ficar bem presente”, afirma.


Na segunda etapa,acontece um processo de adaptação do arquivo aos diversos formatos digitais, com uso de limiter e obediência a parâmetros absolutamente técnicos, como explica Carlos Freitas. “Eu uso um limiter para fazer diferentes ajustes no volume adequados para cada plataforma de stream utilizando como parâmetro os medidores em LUFs (Loudness Units relative to Full Scale). Quando eu aplico o limiter, nessa segunda etapa, ainda tenho que fazer pequenos ajustes no processo artístico para que o áudio do streaming seja o mais fiel e próximo possível ao wave, 44kHz/24 bit e esteja corretamente ajustado aos parâmetros em LUFs de cada plataforma”.


O engenheiro de master dá o exemplo do trabalho Em Transito, o mais recente álbum de Lenine, no qual fez uma master para o Canal Brasil, usando o padrão da Globosat de transmissão de áudio (-23LUFs/-2TP), uma master pro DVD (-12LUFs/-0.5TP), uma pro vinil (-15LUFs/-1TP) e uma para o streaming (-13LUFs -1TP), cada uma delas respeitando os aspectos técnicos de cada meio. “Antes, eu  fazia uma master pro CD e pronto. Agora não. Tenho que me preocupar  com o resultado sonoro para o ouvinte  durante a transmissão do youtube e Spotify, por exemplo. Então tive que reformatar minhas técnicas de masterização para me adaptar a isso”, detalha. Mesmo entre as diversas plataformas há diferenças nas metadatas que definem o volume médio percebido. No Youtube, por exemplo, é de -13LU com -1dB truepeak. Já o Spotify usa -14 LU com -1dB de truepeak só para ficar nesses 2. “Eu acredito que nos próximos dois anos, como está sólido esse mercado do streaming, seja adotada uma normalização igual para todas as plataformas em -13LUFs como o que aconteceu na TV - 23LUFs”, define. 


Carlos Freitas coloca que, hoje em dia, não se discute tanto o processo usando na masterização, e sim o resultado. “Tem que ser rápido e eficiente. Pouco importa o processo se o resultado no Spotify é ruim. De cinco anos pra cá comecei a investir nisso e me sinto alinhado com a indústria e preparado para o que vem por aí”, afirma, confiando nas tendências de crescimento do mercado.

 

Carlos Freitas explica que, ao contrário do RMS, medida usada para definir o volume médio das tracks, o LUFS ignora as frequências baixas e valoriza as médias e altas acima de 2000 Hz – uma região mais sensível aos ouvidos humanos. “Um  grito, por exemplo, te dá mais  sensação de volume do que um contrabaixo, mesmo que o RMS seja maior no contrabaixo. Isso porque os graves pesam muito na medida  RMS, e a voz humana fica mais na região média, tornando o LUFS como um valor RMS mais preciso.É a maneira mais precisa de medir a intensidade do áudio sob a percepção humana de volume”, determina. 

 

redacao@backstage.com.br | Repórter – Miguel Sá | Fotos: Divulgação /ECAD

O streaming começa a se mostrar vantajoso para o chamado mercado independente, com os selos que não pertencem às grandes gravadoras. Em dezembro, aconteceu a divulgação do relatório da Wintel de 2018 produzido pela World wide Independent 
Network (WIN). 

O relatório mapeia o mercado global independente usando critérios com base copyright, não em vendas feitas por canais de distribuição. Desta forma fica mais claro o tamanho deste mercado, já que as majors incluem a distribuição dos independentes que elas fazem em seus dados.
Com esta metodologia, o estudo mostra que o mercado independente cresceu 39,9% em 2017, com um desempenho superior ao mercado de música como um todo, que cresceu 10,2% no ano passado. Nesse contexto, as  empresas independentes tiveram um crescimento de 46% em 2017. Carlos Mills, presidente da Associação Brasileira de Música Independente(ABMI), conversou com a Revista Backstage sobre o impacto do streaming para o segmento no Brasil.

Revista Backstage – O que significa o streaming para o mercado independente brasileiro?
Carlos Mills - O Streaming tem crescido com consistência no mundo todo, e em especial na América Latina. Para os independentes este crescimento é muito importante, entre outros motivos por que os gargalos para a exportação de música são superados com mais facilidade neste modelo de negócios. Números do relatório Wintel mostram que na média, mais de 30% do faturamento dos produtores independentes estão vindo de fora de seu país de origem. No Brasil no ano passado o faturamento com Streaming foi de 635 milhões e as estimativas são de que cerca de 38% são de produtores independentes, incluindo gravadoras independentes e artistas auto-produtores. As expectativas para este ano são de um faturamento ainda maior.

RB - Há ainda alguma demanda de remuneração que precise ser atendida de forma mais adequada? O que ainda precisa melhorar do ponto de vista do produtor independente?
CM - Existia inicialmente uma lacuna em relação aos autores nas plataformas de streaming, por conta das poucas informações disponíveis e/ou informações equivocadas. Mas este problema vem sendo enfrentado e acredito que em pouco tempo o mercado digital já estará completamente organizado quanto a isso. 

RB - Antes do streaming, um dos principais problemas para o produtor independente era a distribuição. Este problema fica inteiramente resolvido com o streaming? 
CM - Não, o problema não fica inteiramente resolvido. Embora exista  mais concorrência nos canais de distribuição digitais, também conhecidos como agregadores, tem havido um movimento de concentração destes canais na mão de poucas empresas ultimamente. É preciso ficar atento para que essa consolidação não seja exagerada, pois esta concentração pode prejudicar os produtores independentes.

RB - Como é a divulgação do produto no streaming? Quais são as diferenças deste aspecto em relação ao modelo de suportes físicos? Como destacar o produto?
CM - O Marketing passa a focar nas plataforma de redes sociais, onde o consumo é imediato. Facebook, Instagram e Tweeter são as principais plataformas usadas para este fim. As estratégias para destacar o produto variam muito e não existem fórmulas prontas. É preciso ser criativo, ajustar a comunicação ao perfil de cada artista, e também ao produto e descobrir o perfil do público consumidor. Para além dos block busters, existem muitas oportunidades nos mercados de nicho e as plataformas digitais facilitam esta descoberta.

RB - O álbum ainda tem lugar no streaming? Como o selo configura, hoje, o produto musical do ponto de vista do produtor independente?
CM - Sim, costumo dizer que o álbum completo está para a música assim como o longa metragem está para o cinema. É claro que os singles ganham uma nova força com as novas formas de consumo digital, mas creio que sempre haverá espaço  para o álbum completo. O selos precisam se adaptar rapidamente às constantes mudanças, e neste sentido o selo independente tem uma vantagem competitiva por ser mais ágil em responder aos novos desafios. Nos dias de hoje, a única certeza que temos é a mudança.

RB - De que forma a ABMI pode facilitar a relação do selo ou artista independente com as empresas de streaming?
CM - A ABMI facilita a relação com as empresas de streaming promovendo acesso aos editores das plataformas em conferências como o Rio Music Market, em ações de capacitação em diversas cidades viabilizando e licenciamentos diretos para empresas maiores através dos acordos celebrados pela Merlin, celebrando convênios com as editoras de música e também compartilhando informações em primeira mão através de nossos canais de comunicação: Newsletter, Redes Sociais, Site, Grupos de Discussão.

RB - Havia uma grande indefinição com relação ao negócio da música gravada até há pouco tempo. Dá pra dizer, hoje, que já dá pra encostar o pé no fundo da água e vislumbrar um caminho?
CM - Certamente. O mercado de música apresentou crescimento nos últimos três anos e todas as projeções apontam para uma retomada consistente ao longo dos próximos dez anos.

 

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