O som na Marquês de Sapucaí: a prática leva à perfeição
06/03/2020 - 14:11h
Atualizado em 29/11/2021 - 09:00h
Por Miguel Sá | Fotos: Ernani Matos | Riotur / Fernando Grilli
Foto de aberura: viradouro campeã do carnaval 2020.
A configuração do trabalho no carnaval do Rio de Janeiro pode parecer simples, mas o sistema é complexo. A sensação de simplicidade vem dos 19 anos de prática da Gabisom na Marquês de Sapucaí.
A forma de trabalho, já sedimentada ao longo destes anos, não tem segredo: em uma primeira console, é feita a triagem do sinal. Após a triagem, o sinal vai para a mesa de mixagem, onde os timbres são acertados e são montados os três grupos mandados para a mesa de delay, feitos com as vozes, harmonia e bateria. Além dos grupos, também é mandada uma mix geral para a mesa que faz o delay e a distribuição.
Se a forma de trabalho não mudou muito durante todos estes anos, mudaram os equipamentos e a praticidade. Por conta do avanço na tecnologia de amplificadores, consoles e caixas de som, hoje há toda uma estrutura que permite apenas duas conversões AD/DA em todo o caminho percorrido pelo sinal. Lembrando que estas chegavam a mais de dez no início do trabalho da Gabisom, dá para medir bem os benefícios que o avanço da tecnologia digital trouxe ao trabalho com áudio.
Mas se há tecnologia, também há as pessoas. São elas que fazem com que o trabalho aconteça de verdade. E, desde Peter Racy, que coordena os trabalhos, passando por Mario Jorge no meio de campo entre Liesa e Gabisom, Marcos Possato na recepção do sinal, Eder Moura como responsável pela distribuição digital, Luiz Carlos T. Reis e Marcelo Saboia na mixagem e Valtinho no delay, são elas que nos contam como fazem tudo dar certo.
Peter Racy
“Usamos praticamente todo o mesmo sistema de anos anteriores, mas com algumas pequenas mudanças: na Praça da Apoteose usávamos Vertec e agora estamos usando Norton LS8. Isso também na Presidente Vargas e nos recuos. De resto, o sistema continua igual, com o mesmo sistema por RF e fibra como backup, caixas L Acoustic K1 para arquibancadas, K2 para a pista e Kara para as frisas.
“Na captação, usamos 24 microfones. Tem os microfones individuais nos caras mais feras e tem os over, que são uma parte importante. Depois, temos uma mesa que recebe e faz o preview do sinal, conferindo se está tudo certo. Nesse preview, se houver problema, comuta de RF para fibra ou analógico, se for o caso. Após ser conferido, o sinal é enviado para a mesa de mixagem, que faz todo o tratamento e manda para o Valtinho, na mesa do delay, que se preocupa apenas com a distribuição.
“Enviamos também o sinal captado para a TV. Ele é "esplitado" na primeira mesa e, lá, o pessoal da TV faz todo o tratamento e mixagem deles, mas a captação é nossa.
“O que o pessoal das escolas pede vem para nós via Liesa (Liga das Escolas de Samba do Rio de Janeiro) através do Mario Jorge. Ele é quem tem conhecimento com os mestres de bateria e grava todo ano o CD das escolas. A comunicação é essencial. Estamos aqui fazendo uma parte técnica e física que tem que se adaptar ao que eles estão montando”.
Marcos Possato
“Recebo os sinais dos caminhões. Temos um sistema de RF que corre a avenida inteira e um backup em fibra. Todos os sinais chegam aqui. Só que não dá para mixar 140 sinais . Então eu faço o endereçamento para a mesa de mixagem para todos os canais chegarem no canal certos para ele lá. É meio que um patch digital para fazer chegarem os sinais certos para a TV e para a mixagem da avenida.
“O sinal sai do caminhão e chega aqui. Sai dos microfones e chega direto aqui pelo sistema sem fio. Temos um sistema de captação com 20 antenas espalhadas na avenida para captar tudo sem fio.
Instrumentos e vozes chegam sem fio. Temos 24 canais sem fio de cada caminhão. Não precisaríamos de cabos na Avenida, mas usamos por redundância, porque seguro morreu de velho”.
Eder Moura
“A minha parte é a distribuição de sinal da parte digital. Toda a distribuição de sinal era antes feita via analógica, e ainda pode ser feita na parte de redundância, caso seja necessário. Dante é o protocolo de áudio via rede que usamos aqui para trafegar o áudio digital. Ele chega do Valtinho (no delay) e aí faço um patch Dante para o sinal sair do Valtinho direto para cada sala de rack. Temos salas de rack nos setores 3, 7, 9, 10 e 11 e setor 1 (determinado número de torres ligadas a cada uma das salas de rack).
“Do caminhão para chegar no estúdio tem parte Dante esse ano também. O sinal já sai do caminhão em 96K.
“Comecei em 2011. Quando eu entrei em 2011 a gente tinha 12 ou 13 conversões AD DA. Hoje tem duas”.
Marcelo Saboa, Mario Joge e Luiz Reis
Marcelo Saboia
“O som tem que estar perfeito no instrumento, na captação, na transmissão e da transmissão Estou aqui há oito anos. Tem mudado bastante e está melhorando muito. A cada ano melhora mais um pouco. Aqui é uma equipe”.
Mario Jorge
“O trabalho começa em junho, entrando em contato com os mestres de bateria para ver a formação delas, indo aos ensaios para acompanhar as novidades que vão apresentar, o posicionamento das peças...essas coisas todas. Vemos a posição da bateria na avenida e as peças que eles utilizam nas bossas - que eles estão cada vez evoluindo mais nesse particular - colocando outros instrumentos para fazer parte da bateria.
“Nós temos um número pré-determinado de microfones. São 12 canais de bateria. Tem que conciliar número de instrumentos e número de microfones. Tem os de ambiente e a captação das peças como repique, tamborim, chocalho, cuica... E aí dimensionamos para poder aparecer tudo nas caixas de som.
“A quantidade de ritmistas é entre entre 270 e 300, e a sonoridade, cada bateria tem as suas características. A Mangueira só tem um surdo de marcação. Isso influencia na posição das pessoas que captam a ambiência. Temos três microfones para surdo. Nas escolas tradicionais, um para o de primeira, um para o de resposta e para o de terceira. Na Mangueira, colocamos dois microfones nos surdos graves, nas marcações pesadas, e um no centrador, que é chamado surdo-mor.
“Gravar os samba enredos ajuda bastante, porque já sabemos as particularidades, além do contato direto com os diretores de bateria. Eu faço esse intercâmbio, aqui na avenida, entre a captação e a técnica, porque os técnicos de mixagem estão sem ver o desfile. Eu fico na Avenida, dentro das baterias, carros de som... tem três assistentes que fazem isso comigo sempre em comunicação”.
Luiz Carlos T Reis
“Aqui na sala trabalhamos eu e Marcelo Saboia equilibrando o áudio que vem da concentração da bateria, do cantor e dos músicos de harmonia. Começando, a primeira escola vem, entra no curral e desse momento em diante o Magro e o Douglas vão colocando os microfones nos instrumentos pré-estabelecidos para serem microfonados.
“O instrumento escolhido já vem preparado, com uma afinação legal, um amortecimento da pele correto, os instrumento de harmonia já vem afinadinhos... Então, desse momento em diante o mestre de bateria faz um esquenta para nós. Aqui na sala prepararmos a equalização e o equilíbrio das peças. Durante esses 10, 15 minutinhos o som não está aberto na avenida. Só está aberto aqui na nossa sala. Chegam para nós 24 canais: 8 de cantores, 4 de harmonia e 12 de bateria.
“Os instrumentos chegam cada um em um canal, e aí juntamos eles em três saídas que vão para a mesa do Valtinho e ele que controla a altura que cada grupo vai para a avenida. Por isso tem que passar para ele os três canais, que são o canal de voz, o canal de harmonia e o de bateria”.
Valtinho
“Aparentemente o delay é muito simples. O caminhão tem um posicionamento na avenida (indicado por um software). Assim que ele entra na avenida, em frente à torre 1, esse posicionamento é acionado. São 36 pares de torres com caixas de som no decorrer da Avenida. O caminhão é o nosso ponto zero e a cada 5 metros de avanço na avenida esses programas de delay vão sendo ajustados. O delay é em função desse “palco”, o caminhão de som, que chamamos de ponto zero. O som que tá sendo emitido na parte que é o ponto zero vai coincidir com o que está tocando nas caixas em qualquer ponto da Avenida.
Tenho um software que me dá a posição do caminhão na avenida e ao mesmo tempo já está programado para fazer essas trocas a cada 5 metros que ele anda. Caso esse sistema falhe, temos três backups para ele continuar funcionando independente dele ainda. Inclusive no ‘gritacall’. Nós não temos som da bateria nas torres quando a bateria está em frente delas.
“Temos um ensaio uns dias antes da semana do carnaval e tem um check na avenida. Tudo o que não estiver de acordo com o padrão, em 3, 4 dias, estará tudo solucionado. A preparação é que é o mais difícil. “O som só passa por mim para manter o equilíbrio. É como se fosse uma grande mesa de monitor com 36 vias para manter a mixagem equilibrada na avenida inteira. Aí vai o bom senso para saber onde põe mais voz, mais harmonia, bateria... O som chega pra mim em 4 grupos: harmonia, voz, bateria e uma mix da avenida. Aí vou fazendo pequenos ajustes da soma disso em cada torre: onde está a bateria não tem a bateria nas caixas, posso colocar mais voz, mais harmonia... Vou fazendo os ajustes em cada torre para o som ficar mais harmonioso.
“O primeiro carnaval que fiz foi 2001, 2002 e não mudou muito, só o console de mixagem. Desde o primeiro ano era a PM1D porque ela tinha várias memórias, várias saídas, em uma quantidade grande que necessitávamos. Durante dois anos fizemos com a SSL 5020L e voltamos com a Yamaha Rivage. Até hoje não tivemos reclamações de que a escola não está cantando no tempo. Então nosso trabalho está sendo feito. Isso é o principal. A avenida canta toda ao mesmo tempo.
“Sempre tive três monitores de imagem. Tenho oito câmeras. Geralmente escolho quatro imagens do início, meio e fim da Avenida, além do caminhão. Assim tenho a posição dele em relação às torres. Desse jeito fico cada vez mais independente das pessoas do caminhão. Por quê? Porque se estou vendo onde o caminhão está, sei realmente se o caminhão está no lugar certo, em frente à torre. Pode ser que dê um errinho. Um ou dois metros, e consigo consertar isso no programa sem ninguém precisar ficar falando, porque estou vendo também. O visual para mim é bom porque não preciso ficar em comunicação. As pessoas tem tempo para fazer outras coisas ao invés de ficar falando, ‘estou na torre um, torre dois...’”.