Madonna e a sua Madame X Tour: saiba como foi a turnê da diva
04/08/2020 - 12:56h
Atualizado em 15/10/2021 - 11:35h
Edição: Miguel Sá / Colaborador: Leonardo Costa
Fotos: Divulgação / Ricardo Gomes / Stufish / Paramount +
Fontes: Stufish.com / DiGiCo.biz / Billboard.com
Madonna lança versão para streaming da turnê Madame X. Mesmo tendo 18 apresentações canceladas por problemas técnicos, de saúde da cantora ou por conta da pandemia do Coronavirus, a Madame X Tour teve 75 shows realizados. Após a turnê, a rainha do pop Madonna firmou-se, mais uma vez, como dona do trono e precursora de uma legião de cantoras que vieram depois de seu legado. Ainda não está confirmado se o show será lançado em mídias físicas.
Ao trocar os palcos imensos de estádios e arenas por pequenos teatros, Madonna optou pelas projeções como cenário. O que se viu na Madame X Tour foi um show espetacular de projeções e videomapping com a diva encenando suas músicas da forma mais teatral possível, lembrando até mesmo sua turnê dos anos 90, Blond Ambition, época em que não tínhamos tanta tecnologia e suas performances eram bem mais teatrais, mas que ainda assim já descobria as novas tecnologias, como por exemplo, o microfone headset, por muito tempo chamado de microfone Madonna, por ter sido ela a primeira artista a utilizar em um show.
Trinta anos depois, a estrela segue inventando tendências e se reinventando. O uso de telefones celulares foi proibido durante a apresentação, assim como acontece em peças de teatro, o que gerou muita polêmica, revolta e opiniões divididas entre o público.
A empresa de arquitetura, design e produção, Stufish, vem colaborando com Madonna desde suas turnês MDNA e Rebel Heart Tour, de 2012 e 2015 respectivamente, e agora colaborou também com essa série de shows intimistas em pequenos teatros para celebrar seu mais recente álbum, Madame X.
Este complexo show reinventa a maneira como Madonna se conecta com seu público e como ela se apresenta ao longo da jornada do show. Junto com mais de 30 artistas, ela cria um show que é uma fusão de pop, moda, instalação de arte e teatro, misturando efeitos de alta tecnologia que transformam o palco constantemente durante as 2h15 de show, tendo ficado em sua edição final para exibição no streaming com 1h56, o que é praticamente todo o show. Apenas duas músicas foram cortadas da versão final. As mesmas que foram tiradas do setlist ainda durante a turnê: Crave e o fado Sodade.
ÁUDIO
Foto: reprodução facebook DiGiCo
A partir de informações do site da DiGiCo (https://digico.biz/mix-and-madge-q-at-the-heart-of-x/), foi possível apurar que foram usados consoles DiGiCo Quantum7 tanto na front of house quanto nos monitores, com dois consoles SD11 adicionais e vários racks SD, com cartões de 32Bit. Embora seja uma plataforma de mixagem muito mais poderosa que qualquer outra DiGiCo anterior, o novo console Quantum 7 foi implementado nessa turnê de Madonna, que foi reduzida de grandes estádios para pequenos teatros nas cidades. Isso significa adaptar o som ao vivo para pequenos locais mesmo que a produção seja complexa.
O Engenheiro de FOH, Tim Colvard, durante a turnê de 2008, Sticky and Sweet Tour
O Engenheiro de FOH, Tim Colvard, explicou para o site da DiGiCo como trabalhou com Madonna na Madame X Tour. “Desde início a SD7 continuou a evoluir para uma mesa que pode atender às necessidades dos ambientes de show mais complexos”, diz ele, reconhecendo que a Quantum é um desenvolvimento orgânico do modelo carro-chefe da DiGiCo.
“Eu uso a SD7 desde a turnê de Madonna em 2008, e tenho recursos de mecanismo redundantes como timecode, E / S MIDI e muitos bancos de entradas. Agora, com o Quantum 7, podemos usar diversos tipos de dispositivos de E / S de porta de áudio - incluindo SD-Racks, Con e DD4 Series - em um loop de fibra ótica e, em seguida, adicionar um segundo loop apenas para efeitos FOH. ”
Para fazer a sonorização para a plateia., foi escolhido o sistema Adamson S10. “Mixar a Madame X Tour exigia a escolha de um sistema que fosse compacto e leve, e que pudesse ser carregado e /ou empilhado”, diz Colvard. “O Adamson S10 foi a escolha final. Levamos 12 e empilhamos seis com quatro subwoofers Adamson E119 de cada lado. Alguns locais tinham sistemas instalados e nós complementávamos com nosso sistema”. O empilhamento de seis S10s com quatro subs de cada lado para a maioria dos teatros foi uma estratégia para manter a consistência de local para local, acrescenta Colvard. “A turnê começou na Brooklyn Academy of Music (BAM), em Nova York, onde usamos uma instalação completa de caixas para cobrir tudo - embaixo das sacadas, camarotes de ópera e assim por diante. Fornecer áudio em teatros históricos como esses exigia paciência para que o local aprovasse a colocação dos alto-falantes. Junto com esses desafios estava o fato de que Madonna nunca havia se apresentado em teatros antes. Ela esteve em grandes arenas e estádios durante toda a sua carreira, então demorou para se ajustar.”
No monitor, o engenheiro Matt Napier complementou seu Quantum 7 com dois consoles compactos DiGiCo SD11i com Stealth Core 2, um deles para prestar atenção especial aos vocais principais. Um era operado por Sean Spuehler, engenheiro de efeitos vocais de longa data de Madonna, explica Napier. “Em turnês anteriores, eu e Sean compartilhamos efetivamente um console, comigo mesmo no SD7 e Sean usando uma unidade de expansão Fader EX-007. Sean mixa o som vocal de Madonna não apenas para o ponto no ouvido dela, mas também para todo o resto. Meu papel é mixar a parte musical dela e cuidar da banda. Como o espaço sempre seria raro nesta turnê, movemos Sean para um SD11i. Ele então enviou sua mixagem vocal para o monitor Quantum 7. Eu então integrei a voz dela na mixagem final. Isso nos deu grande flexibilidade, pois, se necessário, poderíamos ficar até 350m de distância. O segundo SD11i estava no mesmo loop óptico e localizado no monitor. Como tudo era sem fio e tínhamos quase 100 canais de RF, o segundo SD11i permitiu que o engenheiro de RF Ali Vile ouvisse as entradas de RF e verificasse com os músicos antes de entrarem no palco se todos estavam felizes”.
Sean Spuehler e Matt Napier na frente da DiGiCo SD7, na turnê anterior, Rebel Heart Tour
Ainda de acordo com reportagem no site da DiGiCo, a geração dos consoles Quantum apresenta o novo processo Nodal, que proporciona uma flexibilidade sem precedentes para o encaminhamento de patches individualizados para cada músico. “Nodal é uma poderosa ferramenta”, concorda Napier. “Muitas vezes você está em uma situação em que um músico quer ouvir o instrumento cru e sem compressão, mas na mixagem final ele precisa ser moldado para se ajustar à mixagem geral. Nodal é ideal para isso. Como era minha primeira vez com o processamento Nodal, abordei com cautela, mas obtive ótimos resultados. Você precisa ter cuidado, pois é uma opção muito poderosa, e se usada corretamente, é um grande trunfo. Nesta situação com tantos músicos - 28, na verdade - e tanta variedade de músicas para replicar do Fado à Dance Music, a capacidade de equalizar e compactar de forma independente foi fantástica".
Da mesma forma, a função True Solo permite que Napier e todos os engenheiros de monitores entendam melhor a experiência de cada músico individualmente. “Realmente entendo”, diz ele. “A capacidade de ouvir como a compressão é impulsionada para cada músico dá uma imagem mais clara de como as mudanças em uma entrada afetam a mixagem final.”. Napier ficou entusiasmado com os dois cartões DMI e portas MADI aumentadas. “São uma dádiva de Deus". Ansioso para experimentar a tecnologia de tela de nova geração agora implantada no console 338 mais recente, está claro que o Quantum 7 habilita Colvard, Napier e seus colegas para entrar em um ritmo totalmente novo, mantendo a experiência clássica do console DiGiCo. “O Quantum é basicamente igual ao antigo SD7”, destaca Napier, “além de seu processamento Nodal cada vez mais rápido e maior flexibilidade, especialmente as opções de E / S. Os cartões Waves DMI foram particularmente ótimos para usar para gravação multitrack. Todos os 128 canais em um único cabo Cat-6e! ”, destaca Napier.
Matt Napier, durante a turnê Madame X
Leonardo Costa conta como foi o show
No dia 12 de fevereiro de 2020, uma quarta-feira, logo antes de todo fechar por conta da pandemia, as cortinas vermelhas do luxuoso teatro London Palladium estão fechadas enquanto o público entra. Para aquecer o início do show, os músicos de sua banda se reúnem no palco e intercalam, em versão instrumental, os hits da cantora e outras músicas. Percebo ser um excelente aperitivo do que está por vir, um show com uma variedade sonora nunca vista antes em canções da estrela. Quem imaginaria sanfonas e guitarra portuguesa em suas músicas?
As cortinas se abrem após mensagem em off da própria Madonna pedindo para não utilizarem os aparelhos de celular para gravar ou fotografar o show e agradecendo a presença das pessoas. Tudo começa com a sombra da sua personagem, Madame X, sentada em uma cadeira digitando em uma máquina de escrever um texto do escritor James Baldwin (1924-1987): “Artistas estão aqui para perturbar a paz”. O texto é projetado em uma película de projeção a frente do palco, como se estivesse sendo digitada por uma máquina de escrever, letra por letra.
Enquanto isso, um de seus bailarinos é metralhado, para reforçar sua defesa contra o armamento descontrolado que os EUA já vive há um bom tempo, e começa God Control, uma das músicas do álbum que recebeu o mesmo título do show, Madame X.
A bandeira americana é projetada na película e percebo que Madonna surge logo atrás, com projeções do clipe da música que diz “Perdemos o controle de Deus”. A dançante canção transforma o teatro em uma discoteca, com direito à globo de espelhos no teto, e desse modo, ela passa sua mensagem, fazendo todos dançarem e finaliza dizendo “Acordem”.
O cenário tem referências ao artista gráfico holandês Maurits Cornelis Escher, famoso por seus trabalhos de ilusão de ótica. A empresa responsável criou um conjunto de peças cênicas que podiam ser constantemente reconfiguradas e movimentadas como um cubo mágico, principalmente as escadas, que em certos momentos formavam um X, reforçando a persona Madame X.
Uma das obras do artista gráfico holandês MC Escher, que inspirou os cenários de Madame X
Na sequência, na música Dark Ballet, vejo como a entrega de Madonna é completa, subindo e descendo em cima de um piano, mesmo naquele momento tendo dores constantes por conta de lesões nos joelhos. E então vem Human Nature, do álbum Bedtime Stories, de 1994, que surge totalmente repaginada em um tom jazzístico e uma nova roupagem, com um trompete, e muita percussão, o que deixa a música bem mais sensual enquanto Madonna dança dentro de um círculo giratório, chegando a ficar de cabeça para baixo enquanto a projeção mostra diversas sombras de mãos apontando para ela que canta com ironia “Ops, eu não sabia que não podia falar sobre sexo”.
Ela conversa bastante com o público em diversos momentos, faz piadas e discursos de empoderamento feminino. Algo que que vem fazendo muito antes da palavra 'empoderamento' entrar em voga. E por falar nisso, em Vogue, seu clássico hit dos anos 90, a rainha do pop entra como uma agente secreta e todos seus bailarinos e bailarinas estão vestidos como ela, de peruca loira.
A projeção mostra máquinas de escrever intercalando com imagens dos grandes astros de filmes clássicos de Hollywood que são citados na música e a própria música se mistura com som das teclas das máquinas de escrever, no ritmo da canção, recurso que mais tarde no show volta a se repetir. Reparo que Madame X adora máquina de escrever.
Vogue é seguida de I Don't Search, I Find, também do álbum Madame X, que tem o mesmo estilo e por isso a escolha proposital de vir na sequência. A cantora encarna uma femme fatale e, na edição final disponível no streaming, ela soube aproveitar o momento, colocando um trecho em preto & branco, para resgatar o tom de Cinema Noir da performance, um subgênero de filme policial, derivado do romance de suspense, o qual teve o seu ápice nos Estados Unidos entre os anos 1939 e 1950.
Em alguns momentos, o cenário preenche todo o palco e cria uma escultura multinível que é uma tela para projeção de video-mapping e coreografia dos artistas. Em outros momentos, o palco fica mais vazio se tornando um cenário panorâmico para a projeção de imagens de vídeo em larga escala ao fundo, como na canção American Life, que traz Madonna no violão, no centro do palco praticamente vazio e com projeção do vídeoclipe da música ao fundo. Vejo que Madonna tentou e conseguiu compactar o que faz no grandes estádios, trazendo um pouco dessa tecnologia pra dentro do teatro.
Em outro momento o cenário é organizado para formar um clube de fado cênico, criando um local para o principal estilo de música que é tocada no álbum Madame X.
Na sequência, um dos momentos mais empolgantes e diferente de tudo que você possa ter visto em se tratando de Madonna é quando sobem ao palco as Batucadeiras de Cabo Verde, pra cantarem em coro, junto com ela, a música Batuka. Madonna as descobriu através de seu amigo em Portugal, Dino d'Santiago, que a levou até um bar de fado e convidou as Batucadeiras especialmente para se apresentar para Madonna.
Em entrevista à Billboard em maio de 2020, Madonna explica como conheceu, se apaixonou e quis levar 14 das 22 Batucadeiras parapa turnê: ""Um dia ele (Dino d’Santiago) me convidou e disse que queria me mostrar algo muito especial, mas não podia me contar. Só disse para eu ir até tal lugar, em tal horário. Pensei na resposta que meu empresário (Guy Oseary) me daria sobre levar 22 mulheres pra estrada comigo em turnê (que acabaram sendo 14). Mas o objetivo foi atingido: eu queria que o público tivesse o vislumbre da sua história."
Nesse show vemos Madonna cantar fado em português, com sotaque, frases em português em várias músicas e no álbum que levou o mesmo nome, mas não teve versão ao vivo, teve até mesmo uma música quase inteira em português, em dueto com Anitta, chamada Faz Gostoso. A cantora explica ao público porquê foi morar em Portugal e porque se apaixonou pelo país, respectivamente, por conta de seu filho David jogar futebol e pelo constante encontro de artistas que se encontram apenas para tocar música uns nas casas dos outros.
O bloco fado puxa a sequência latina, sempre presente nos seus shows, onde ela passa rapidamente por La isla Bonita e o recente sucesso Medellín, em dueto com Maluma, nos telões. A faixa Extreme Occident chama a atenção da platéia com um cenário de escadas que se movem e somente Madonna está no centro do palco enquanto os músicos aparecem discretamente nas escadas.
Mas o momento mais marcante para muitos, e isso me inclui, foi a apresentação do seu hit Frozen, onde todos se sentam e prestam atenção, vidrados na performance que surge no telão, de uma jovem bailarina (sua filha Lourdes Maria) e atrás da tela de projeção, como em uma transição de imagens, o público ao vivo, via Madonna, e sua filha dançando em p&b na tela gigante do teatro. O resultado foi muito bem gravado na edição que mostra com fidelidade o que público via ao vivo, mas que só entende quem esteve lá, pois no vídeo, pode parecer só um efeito de transição de imagens.
Madonna traz a cultura musical do mundo nos blocos deste show. O bloco seguinte ao fado traz a música inspirada pela sua experiência em viagem para o Marrocos, em 2018, com ritmos típicos da região e um coral que dá o tom ao empolgante ritmo.
E depois que vi a artista batucando a percussão em Human Nature, o violão em American Life, aqui ela se mostra pela primeira vez, sentada em um piano, tocando alguns acordes, na música Future, que mostra uma versão completamente diferente do álbum, cantando nos versos que "Nem todo mundo está aprendendo com o passado" enquanto a projeção mostra diversas queimadas ao redor do mundo.
E na reta final, apesar desta não ser uma turnê de hits, ela não esqueceu de incluir o mega hit Like a Prayer, onde as escadas formam um X, lembrando a já citada obra do artista MC Escher, com Madonna no centro e o coral em cada degrau das escadas. A música é apresentada em seu melhor estilo, enquanto o clipe é exibido nos telões e o público vai ao delírio. A edição soube aproveitar cada momento mostrando não apenas o show, mas os takes do polêmico clipe de 1989, que já repudiava o racismo, mostrando como Madonna sempre foi uma artista a frente de seu tempo.
Madonna ao centro da escada, com o coral que dá gás à apresentação
Para fechar, ela encerra o show com I Rise, que como a própria artista descreve no documentário do show, criou a música para dar voz aos marginalizados, a quem não tem chance de se expressar, aos presos, encarceirados, maltratdos, violentados, abusados e todos aqueles que se sentem oprimidos.
"Espero que essa música lhes dê esperança e coragem para serem autênticos, se expressarem sem qualquer medo, se amarem, pois só se ama o próximo amando a si mesmo." (Madonna).