Anuncio topo
REPORTAGENS / Matérias Completas

Grandes estúdios

10/06/2020 - 12:14h
Atualizado em 30/07/2020 - 13:34h

 

#TBT Backstage - Em tempos de homestudios, plug-ins e gravações caseiras com qualidade profissional, os grandes estúdios ainda são os templos do áudio? Essa pergunta já era feita há quase dez anos atrás. Os donos dos estúdios Artmix, AR e Mosh  contaram para a Backstage, na edição 197, de abril de 2011, de que forma estavam lidando com as mudanças no mercado fonográfico. Boa leitura!

 

 

Reportagem: Miguel Sá - redacao@backstage.com.br / Fotos: divulgação

 

Internet, pirataria, home studios, retração do mercado fonográfico... Como as mudanças do mercado se refletiram nos grandes estúdios, verdadeiros ‘templos do áudio’?

 

Depois dos anos 60, os estúdios se tornaram muito mais do que um mero lugar para registrar músicos tocando e passaram a ter uma mística própria. Com suas grandes salas de gravação preparadas acusticamente, equipamentos caros, fitas de duas polegadas, microfones, compressores e técnicos concentrados em tirar o melhor rendimento de tudo aquilo, os estúdios embalaram os sonhos de muita gente que entrou no mundo da música.

 

Que o diga o Abbey Road. O antigo estúdio da EMI virou até nome de LP da banda pop mais importante do século 20 (precisa dizer que são os Beatles?) e tem até um programa de TV com seu nome. Um dia, no fim do século passado, começou a tomar corpo a revolução digital. A troca de arquivos de música via internet, MP3 e pirataria passaram a ser assunto corrente na indústria da música, principalmente porque diminuíram drasticamente os rendimentos de gravadoras e, consequentemente, de quem prestava serviço para elas. Por outro lado, o barateamento dos equipamentos de gravação – e a consequente proliferação dos estúdios caseiros – também fez com que montar um grande estúdio deixasse de valer a pena. Muitos deles fecharam. Alguns resistem, mas têm que repensar os negócios para sobreviver. Os três abordados nesta reportagem – ArtMix, AR Studios e Mosh – são exemplos de como isto acontece. Cada um tem uma história que mostra um pouco dos rumos do mercado da música e os sonhos e soluções de quem não abre mão de trabalhar na área.

 

 

ARTMIX

Em 1991, o músico, produtor musical e dono de estúdio Guto Campos estava na Vila Maria – bairro da capital paulista – inaugurando o Estúdio ArtMix. Com projeto do inglês Jeff Forbes, o estúdio demorou dois anos e meio para ser construído, principalmente por conta do cuidado com a parte acústica.

 

 

“Ele era um estúdio de prestação de serviços. Nós o alugávamos para as gravadoras. Naquela época não existia o cliente independente, ele não tinha grana para pagar um estúdio de porte”, esclarece Guto. O estúdio começou muito bem, obrigado. De Leila Pinheiro a Negritude Junior, parte dos melhores artistas e dos grandes vendedores de discos dos últimos 20 anos passaram pela sala de gravação do ArtMix. O time de técnicos que tocava as gravações também era de primeira: Roberto Marques, Carlos Freitas, Paulo Farat e Cotô Guarino são alguns que passaram por lá. Os negócios continuaram indo bem durante toda a década de 90, mas Guto Campos também fazia trabalhos próprios de produção musical. Ainda que não fosse a principal atividade do estúdio, foi este o caminho que levou a empresa ArtMix a não ser pega de calças curtas na década seguinte. “Já era normal conhecer artistas novos. Como eu sou produtor musical, foi natural acabar conhecendo novos talentos. Eu recebia muita coisa. Quando ouvia um artista que me interessava, fazia um pequeno investimento, gravava três músicas no estúdio e mostrava para as gravadoras, já que eu tinha o canal aberto por prestar serviço”, conta Guto. Este trabalho paralelo acabou abrindo novos caminhos. Em 1997, a ArtMix fez a primeira incursão na área de agenciamento de artistas, o que acabou não progredindo, já que este não era o foco da empresa na época.

 

 

Os negócios com locação de estúdio seguiram até pouco depois do ano 2000. Só que logo em seguida as coisas começaram a não ir tão bem. Guto teve a sorte de ser diretor artístico da Abril Music entre 2001 e 2003, quando a gravadora fechou. Graças a esta experiência, ele pôde identificar a tendência antes que o baque atingisse seus negócios. “Naqueles dois anos, participei das reuniões das áreas de marketing, financeira e comercial da companhia. Foi o maior laboratório para mim”, lembra o empresário.

 

Nesta mesma época, Guto começou a vender os shows e a agenciar a banda Rastapé, de forró universitário, recém-saída da mesma gravadora. “Acabei montando uma estrutura que ainda não tinha, contratando pessoas que tinham experiência na área de venda de shows. Tive que montar uma estrutura, porque era só um estúdio de gravação. Terceirizamos uma equipe de marketing, de assessoria de imprensa, e coloquei algumas pessoas no escritório que tinham experiência na área de venda de shows”, acrescenta.

 

 

Pouco tempo depois, chegou à ArtMix o grupo Inimigos da HP, então formado por universitários que tocavam pagode e estavam se tornando uma febre na noite paulistana. Quando Marcos Maynard se tornou presidente da EMI, ele manteve a parceria com Guto Campos e levou o Rastapé e os Inimigos para o selo. “A gravadora investiu e me ajudou a fazer o marketing. Eu era obrigado a entregar o disco pronto, o investimento era meu. Os Inimigos da HP não lançaram apenas CD, mas também DVD, e eu tive que terceirizar uma produtora de vídeo”, exemplifica.

 

Na mesma época, Guto se envolveu pessoalmente com a venda de shows de seus contratados. Com os Inimigos da HP estourados e fazendo shows por todo o Brasil, o empresário, finalmente, pôde conhecer os contratantes pessoalmente e firmar a empresa ArtMix definitivamente na área. “Naquele período, 80% do faturamento da empresa vinha da área shows. O estúdio e a produção musical tinham um peso de 20% a 30%”, expõe o empresário.

 

 

Hoje, a ArtMix tem um foco de negócio bem diferente do que era há 10 anos. Além dos Inimigos da HP, a empresa agencia a carreira da banda teen Restart e da novidade CW7, e mantém uma parceria com a Maynard Music. O próprio Marcos Maynard indicou a Guto a banda Restart, uma verdadeira febre entre o público adolescente. Quanto ao estúdio, continua sendo usado para as gravações dos artistas da empresa, vinhetas de rádio das bandas e eventuais projetos externos, como o novo disco do CPM22, que está sendo mixado por lá. “É claro que cobramos, mas acabou se tornando um estúdio para os amigos”, admite Guto Campos.

 

 

AR STUDIOS

Em janeiro de 1996, era inaugurada a Sala A do estúdio AR, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. O estúdio precisou de pouco tempo para fazer história na música popular brasileira. Com três salas de gravação, durante 13 anos o AR foi um dos responsáveis por manter a tradição carioca de alta qualidade nas gravações, tanto por conta dos equipamentos de ponta quanto pelos profissionais que trabalharam por lá, como Marcelo Sabóia e Duda Melo.

 

 

O estúdio nasceu com a participação decisiva do produtor Tom Capone, falecido em 2004. Amigo de André Rafael, eles viajaram juntos percorrendo as feiras de equipamentos de todo o mundo e pesquisando o que havia de melhor. A pesquisa meticulosa teve retorno imediato. Basta dizer que os primeiros artistas a gravarem lá foram os integrantes da Legião Urbana.

 

“Não era todo mundo que abria um estúdio. E era um estúdio que estava chegando com uma Neve V3”, recorda André, referindo-se ao console de ponta do estúdio.

 

É claro que houve dificuldades, só que elas aconteceram naqueles pequenos ajustes após o começo dos trabalhos. “É como se mudar para uma casa nova: a casa é linda, mas você tem que fazer as correções à medida que vai ocupando. Foi um ano cuidando destes pequenos detalhes o que realmente fez a diferença”, acredita o empresário e músico. O resultado é que, durante seus 13 anos de atividades, o estúdio ajudou a colocar no mercado trabalhos da nata da música brasileira. De Paralamas do Sucesso a Caetano Veloso, passando por Ed Motta e muitos outros, boa parte da discografia dos anos 90 e 2000 passou pelas três salas do AR.

 

 

No entanto, os rumos (ou a falta deles) da indústria fonográfica fizeram com que o AR encerrasse as atividades em 2008. André Rafael conta que os negócios ainda iam bem quando o estúdio foi fechado. “Vamos dizer que eu não queria chegar ao estado do Ronaldo”, compara, referindo-se ao jogador de futebol Ronaldo Fenômeno, que não parou de jogar enquanto ainda estava no auge da forma. “A ideia inicial era fechar aquele estúdio gigante e fazer uma estrutura menor. Mas mesmo assim eu ia fazer uma obra, um tratamento acústico, um projeto legal. Ia gastar muito dinheiro e não teria retorno”.

 

Para André Rafael, entretanto, assim como para a maioria dos profissionais da música, o trabalho não é só uma questão financeira. Seja artista, técnico ou empresário, sempre há uma dose de paixão e de sonho. André vendeu grande parte do equipamento do AR, mas ficou com todos os microfones e os prés da Neve e API, esperando alguma oportunidade para entrar em ação.

 

 

Até que o dia chegou. André acabou encontrando o técnico de som Guilherme Tettamanti, que está construindo um estúdio na Barra da Tijuca nos mesmos moldes do que André iria construir, inclusive com projeto do mesmo engenheiro do AR, John Storik. André se impressionou com as semelhanças que observou entre o projeto que pretendia montar e o de Guilherme, e logo teve o estalo: com o verdadeiro arsenal de equipamentos que tinha nas mãos, propôs sociedade. “Deixar esse equipamento parado é um crime, então fizemos uma parceria que está sendo boa para mim e para ele”, comemora André.

 

Guilherme já usa o equipamento em seu estúdio atual enquanto espera o novo, agora menor, ficar pronto, o que deve acontecer em agosto. Hoje, André Rafael também atua como empresário em áreas não-musicais. Mas fornecer equipamentos de valores inestimáveis para a reencarnação do AR não é sua única atividade na música. Ele também tem a editora AR Publishing.

 

“Eu gosto disso, curto isso, não adianta. Por mais que eu não esteja 100% ligado, a minha ideia é trabalhar com música, sim. Não com um estúdio, não como produtor, mas conhecendo pessoas que tenham um trabalho bom e ajudando a divulgar na parte de edição”, avisa. No entanto, ainda que não queira fazer da música o centro dos seus negócios, André acredita que ainda haja espaço para a procura pela qualidade técnica nas gravações. “O pessoal está começando a ver que está tudo igual, com sonoridade parecida.

 

Quando você encontra algo que foi gravado de maneira diferente, isto sobressai. Mas, acima de tudo, tem que ser uma música boa, executada por músicos bons e cantada por um tremendo intérprete. Isso aí não tem jeito, pode gravar em Pro Tools, fita K7, o que for. A música boa, bem interpretada, vai ser sucesso sempre”, ressalta.

 

 

MOSH

Talvez seja possível dizer que não houve artista de grande porte no Brasil que não tenha gravado no Mosh pelo menos uma vez. O estúdio, nascido no bairro da Pompéia, em São Paulo, e hoje funcionando na Água Branca, já hospedou trabalhos de Djavan, Roberto Carlos, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Milton Nascimento, Gal Costa, Maria Bethânia, Rita Lee, Ivan Lins e Jorge Benjor.

 

Lá também foi a casa da grande explosão da música sertaneja dos anos 1990. O técnico de som Luís Paulo Serafim, cria da casa, e Flávio Senna, são dois dos profissionais que já usaram os infindáveis recursos do estúdio.

 

 

O Mosh foi fundado pelo integrante da banda Pholhas, Oswaldo Malagutti e por Hélio Santisteban, em janeiro de 1980. Hélio saiu da sociedade em 1984 e Oswaldo continuou tocando o negócio sozinho. O estúdio só cresceu em seus 31 anos e hoje conta com cinco salas com equipamentos da mais alta tecnologia, tanto analógicos quanto digitais. Ainda há uma sala de autoração e outra de masterização. Com uma longa história e uma folha respeitável de clientes, o Mosh não passa aperto, mesmo concentrando os negócios ainda na prestação de serviços. “O que fazia diferença há 10 anos era gravar em fita, ter um gravador de 24 ou de 48 canais. Antes, era difícil. Hoje, para montar um estúdio, o cara vai à esquina, compra um computador, coloca um programa qualquer e já fala que tem estúdio”, observa Oswaldo. No entanto, não são todos os que se satisfazem com os resultados de um home studio. “O cliente mais exigente pode não fazer o disco inteiro em um estúdio grande, seja o Mosh ou qualquer outro, mas ele sempre acaba fazendo alguma coisa. Ou a mixagem, ou tomadas de bateria, ou os metais... Então, temos bastante trabalho”, garante o empresário.

 

 

Além disso, o Mosh diversificou os serviços. Há toda uma estrutura de trabalho voltada para o vídeo, que envolve desde uma sala com 130 m2 para a gravação de pocket shows até a edição de vídeos. Mas isto não significa que Oswaldo não esteja pensando em um futuro no qual não bastará fornecer o melhor equipamento e o espaço.

 

 

“Eu produzo para terceiros. O artista vem aqui e diz: ‘Quero gravar o DVD e quero que você faça tudo’. Então eu providencio tudo: o áudio; o vídeo, que eu terceirizo; e a unidade móvel, que eu também terceirizo. O resto (mixagem, masterização, autoração) eu faço aqui e entrego ao cliente o produto final. Como tenho cinco salas, eu continuo servindo aos outros também, mas no futuro o ponto principal do Mosh não vai ser trabalhar só para terceiros. Com isto dá para cobrir o custo operacional, mas não se pode pensar em grandes lucros”, pondera o empresário e músico.

 

 

 

 

 

  • COMPARTILHE
voltar

COMENTÁRIOS

Nenhum cadastrado no momento

DEIXE SEU COMENTÁRIO

Escreva sua opinião abaixo*