Reportagem: Miguel Sá / Fotos: Divulgação / Reprodução
Desde 1996 Leco Possollo trabalha com Gilberto Gil, entre diversos outros trabalhos. Ganhador de um Grammy com o álbum São João ao Vivo, em 2002, ele foi o responsável pelo áudio de uma das lives mais comentadas da temporada de pandemia: a de Gilberto Gil, que aconteceu no sítio em Araras do compositor. O engenheiro de som nos conta a sua experiência, falando sobre as semelhanças e diferenças entre um evento ao vivo para internet e outros eventos de música em mídias diferentes.
O que é diferente no trabalho em uma transmissão para internet e para TV?
O grande calcanhar de Aquiles é a parte da transmissão. O resto, parte de som, luz, é o fazemos há muitos anos. Tem a dificuldade para o artista que é se apresentar sem a reação do público. A parte técnica mais difícil é a parte da transmissão.
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Qual foi a sua função na live?
Minha função foi fazer a mixagem para a Live. Eu fiz com uma mesa só a monitoração do Gil, dos músicos e a mixagem da transmissão para a Live. Tinha que tomar os cuidados com os caminhos que o som vai para não ter a volta o que você está mandando para o ar e está recebendo ao mesmo tempo de uma fonte que para o ar. Esse é o ponto mais complexo, mas nessa Live minha função foi fazer o que eu faço há muitos anos, que é mixar o Gil.
Qual foi a mesa?
Uma Yamaha QL5.
Como foi a configuração?
Entravam todos direto na mesa como se estivesse fazendo um PA ou monitor. Usei um par de monitores Adam ótimos. Eu mandava o áudio direto para a transmissão. Como estava trabalhando com uma mesa que não era de estúdio, para poder ter um controle independente de volumes (para monitor dos músicos e transmissão) eu configurei uma saída matrix que ia parar a transmissão e outra que ia para os músicos. Eu tinha um controle de volume independente quando precisava ouvir uma coisa só no fone sem interferir no volume que eu estava mandando para transmissão.
Foi uma mixagem para cada músico no monitor? O que usaram, in ear ou caixas?
Na verdade os dois. O Gil USA o fone PSM 1000. Para a Nara Gil nos backing vocais e para o Mestrinho na sanfona eu usei dois PSM 900. O Jorginho Gomes usa o Power Click porque ele gosta da pressão que vem dele e para o José Gil na percussão usamos um fone de estúdio normal o qual ele tinha o controle de volume na mão. O Bem Gil, por uma característica pessoal dele, que teve uma perda de audição de um lado, não gosta de usar fone. Então Usei uma Norton NF8 para ele. Todos tinham mixagens independentes e eu tinha uma referência que se eu precisasse ouvir o que cada um estava ouvindo no seu fone eu podia solar e ouvir no meu fone para saber se tinha algo fora do comum.
Sítio de Gilberto Gil, em Araras
A mixagem é diferente de uma mixagem para TV? Como foi essa referência?
Eu mixei o que eu acho que seria bacana de ouvir na TV. Pelo repertório que seria apresentado, queria manter a pressão sonora O Jorginho é um dos melhores bateristas do mundo e, na zabumba, ele tocou com a mesma precisão. O Mestrinho, que é outro cara Fantástico, toca uma sanfona que não é só de acompanhamento, é um instrumento de solo. Fiz uma mixagem com compressor na saída bem apertado acertando um ganho nível de modulação na internet, mas preservando a voz do Gil muito clara na frente o violão dele sempre também acompanhando. Não usei um pan muito radical, porque quem ouve de fone pode curtir, mas quem está vendo no celular não escuta, e eu acho que essa é a primeira tela na qual se assiste. Algumas pessoas assistem na TV, com um sistema bacana, mas não é o grosso da audiência.
Como foi o pré-live? De que forma foi feita a preparação?
Para os eventos específicos na casa do Gil, levo o equipamento com alguns dias de antecedência. Monto, fica tudo lá com ele e venho embora. Ele fica lá com isso para ensaiar e eu chego sempre na véspera do evento. Cheguei na véspera da transmissão, dia 25 de junho, véspera do aniversário dele. Montamos e testamos tudo no palco. Passamos o som no dia da transmissão. teve um ensaio corrido com tudo na íntegra, tivemos tempo para ajustar os fones para todo mundo e experimentar a mixagem. Na hora de começar já estava tudo muito bem resolvido. Como trabalho há muito tempo com ele conhecia bastante os arranjos, o que facilita muito a mixagem.
Como ocorre o diálogo com a equipe de transmissão?
Foram feitas todas as reuniões (de pré-produção) via Zoom, e-mail e WhatsApp, sem contato físico. Lá ficamos todos na mesma sala e, ao lado, tinha o pessoal de vídeo que estava ouvindo a minha mixagem. A comunicação ficou fácil. Quem estava chefiando a produção técnica era o Andreas Schmidt, que passa uma tranquilidade muito grande se precisa ajeitar o lip sync ou o volume da transmissão.
O que ficou no Youtube teve alguma finalização, remixagem em relação ao que foi transmistido ao vivo?
Eu gravei em multitrack para mim para ter meu arquivo, mas o que ficou no YouTube é exatamente o que estava sendo gravado.
O processamento de som foi todo na mesa?
Tudo da mesa. Nada diferente do que eu faria até para uma gravação. Exatamente o que eu acho que soaria bacana, compatível com a música e o repertório que foi tocado. Eu fiz a turnê do São João ao vivo durante muitos anos com o Gil. Às vezes era um outro músico diferente, mas são os mesmos arranjos do álbum São João ao vivo, que eu tive um Grammy dividido com Roberto Marques por engenharia de gravação. Fora o estresse de ser uma live que você sabe que está passando por um gargalo de internet, ainda mais em Araras, com montanhas e um vale, foi muito tranquilo.