Anuncio topo
REPORTAGENS / Matérias Completas

Entrevista exclusiva com Bob Heil

23/01/2023 - 17:42h
Atualizado em 23/01/2023 - 23:26h

 

Reportagem: Alexandre Algranti | Fotos: Divulgação / Heilsound.com / Swling.com / Twit.tv

 

A próxima vez que você for a um show ou assistir um filme em casa agradeça a este simpático senhor de 83 anos. Bob Heil construiu consoles de mixagem quadrifônicas com joysticks na década de 1970, montou paredes de caixas acústicas multivias, inventou uma técnica com microfones fora de fase para aumentar o ganho antes da realimentação, fez guitarristas soarem feito robôs com o seu “talk box” além de uma série de outras inovações muito além do seu tempo tal como o home theater. Sua empresa Heil Sound fabrica microfones que concorrem de igual para igual com seus congêneres americanos, alemães e japoneses.

 

 

Alexandre Algranti - O senhor desenvolveu a arquitetura moderna de sistemas multivias.

Bob Heil -  Em 1970 o meu sistema inicial tinha duas vias, um woofer e uma corneta. Mas as pessoas me diziam que eu precisava melhorar, colocar um tweeter e tal. Então desenvolvi um sistema com um woofer entre 30 Hz e 200 Hz. Eu montei um crossover eletrônico e daí, entre 200 Hz e 800 Hz,  eu alimentava as médias, seguido de cornetas entre 800 Hz a 7 kHz e finalmente chegava nos tweeters acima de 7 KHz. O sistema soava maravilhosamente. Eu não sabia na época como seria o resultado, eram sistemas enormes, mas aí um dia caiu a ficha que eu havia desenvolvido algo.

 

E aí tinha o mixer, originalmente um Langevin usado em estúdios que era muito delicado. Um dos meus roadies tinha um colega recém formado em som para cinema que precisava de emprego, era o Tomlinson Holman (o inventor do padrão de som para cinema THX) que me ajudou a aperfeiçoar o meu sistema.

 

E a amplificação? Eu havia ouvido que a McIntosh (marca ultra super premium!) fazia amplificadores muito bons, então eu comprei uma dúzia do modelo 2100, era uma coisa de louco. A McIntosh não queria me vender eles porque não sabiam o que eu iria fazer com eles, pensavam que eu iria revendê-los, porém eram produtos para o mercado de alta fidelidade, eles desintegravam pois íamos com eles para todo lado em um caminhão que na época não tinha grandes amortecedores, e então eu contactei a Crown e pedi o modelo DC300. Fiquei muito amigo do Clyde Moore, dono da empresa. Quando ele perguntou o que eu iria fazer com eles, antes de terminar de falar “roll” de rock and roll ele gritou “a música do diabo não tocará nos meus amplificadores! Vai embora daqui!” E o gerente comercial me levou para o aeroporto infeliz pois viu o dinheiro sair pela porta. Eu havia trazido uma mala cheia de dinheiro literalmente. Algumas semanas depois ele me ligou me dizendo que iria vender os amplificadores porém sem o logotipo da Crown, viria com o logotipo da minha empresa. E por muitos anos usamos o DC300, foi maravilhoso.

 

Porém eu precisava de mais amplificadores e um dia o Bob Carver (projetista de amplificadores icônico) me ligou e me ofereceu um amplificador de 700 W e outro de 400 W e eu acabei comprando 10 de cada. Porém eles queimaram toda a hora. Eram produtos maravilhosos mas nenhum amplificador da época suportava a tortura, e então acabei projetando os meus.

 

 

O nosso amplificador era modular, o que era muito legal. Quem comprava os nossos consoles e amplificadores recebia um kit extra de manutenção, era só abrir o equipamento e bingo!, estava tudo resolvido. Em cinco minutos. Foi uma revolução, os caras iam para a estrada sabendo que se qualquer coisa queimasse eles tinham como consertar. E os módulos danificados eram devolvidos via ônibus, era como fazíamos as coisas naquela época.

 

Fizemos muitas coisas que ninguém estava fazendo. Nós provavelmente fomos os primeiros a usar monitores no palco. Eu pensava que era preciso ser feito. E aí um dia o Paul Klipsch me ligou (outro projetista icônico), ele era Deus. Ele veio me visitar e isto mudou a minha vida. E pensei que ele ia gritar comigo pelo que eu estava fazendo com as minhas caixas, mas ele me ajudou muito, sempre que tinha alguma questão eu falava com ele. Ele fabricou muitos produtos para mim.

 

Outra pessoa com quem trabalhei foi o Ray Dolby, eu introduzi o protótipo de seu sistema Pro Logic em meus sistemas de home theater. Eram todos gigantes da indústria que me ajudaram muito. Eles me ensinaram muito, me ensinaram a ouvir e a fazer as coisas certas. Eu era um cara maluco que não sabia o que iria acontecer.

 

Ouvir é um processo mental, saber separar as médias das altas, a distorção, todos estes múltiplos detalhes.

 

 

AA - Como o senhor começou com os festivais?

BH - Em 1971 começamos a ser convidados a fazer os grandes festivais. Eram “lamaçais”. (Risos).  Montamos sistemas enormes com três torres em dois palcos adjacentes onde você podia sentir o grave. Enquanto uma banda tocava a outra se preparava para tocar. Era uma época quando os caras do ZZ Top não tinham nem barba (risos). As caixas eram de compensado. Era uma loucura. Aí os caras da Sunn (marca pioneira de amplificadores de guitarra) começaram a pedir que eu fabricasse sistemas para vender nas lojas.

 

Eu desenvolvi um console modular e o The Who acabou usando em  1971.

 

Depois do sucesso do sistema que eu desenvolvi para o The Grateful Dead, que inclusive saiu na capa da revista Billboard,  e as pessoas começaram a me ligar. O Bill Curbishley, empresário do The Who, me ligou não acreditando no que uma empresa pequena como a minha estava fazendo. Todo mundo me ligava. O Pete Townsend me ligou pedindo que encontrasse ele em 24 horas. Eles estavam loucos. “Alugue um 707 e venha para Boston!” Em 1971 eles enfrentaram muitos problemas técnicos e quase cancelaram a turnê. O Roger Daltrey não conseguia ouvir, o Pete não gostava do som. Eles estavam usando colunas com um metro e meio de altura, quatro por lado, mas esquece… E a imprensa estava detonando eles. Eu acabei salvando eles com o sistema Sunn que eu havia projetado. Com cornetas de fibra de vidro. Acabei trabalhando para eles por seis anos. Fiquei muito amigo deles.  E aí em 1973 o Pete perguntou se eu poderia projetar um PA quadrifônico para fazer a voz do Roger rodar pela arena. Eu falei que sim, mas depois comecei a duvidar… Acabei conseguindo mas o que foi extraordinário, como em muitas coisas na minha vida, foi que eu estava no lugar certo na hora certa. Deus me colocou lá.

 

Eu estava morando em Londres e junto com uma empresa coligada, a IES - International Entertainment Services - desenvolvi um console para rock and roll chamado de Mavis que era maravilhoso,  os pan pots eram com joysticks, pesava 100 quilos, eram um monstro. E aí fizemos a turnê do disco Quadrophenia. E aí tinham os monitores, eram maiores que sistemas de PA de muita gente… Os side fills atravessavam o palco com as cornetas “long throw”, eram maravilhosos.

 

Logo depois o empresário do Jeff Beck me ligou, o Jeff tinha um vocalista e eu precisei de desenhar um sistema menor, de 3 vias, portátil e tal, com amplificadores Phase Linear. Ficou sensacional. Mas todos queriam monitores. 

 

Mas como evitar o feedback? Aí a minha experiência com antenas de rádio amador e a ajuda do Paul Klipsch me salvaram.  A questão da fase é fundamental com caixas acústicas. O Paul tinha um modelo de caixa chamado La Scala que ele adaptou para eu usar como monitor de voz que funcionava fora de fase com o resto do sistema com um ganho maravilhoso.

 

 

 

 

AA - Quando o senhor começou a fabricar microfones?

BH - Em 2006 meu amigo Joe Walsh (guitarrista da lendária banda Eagles) me pediu para que eu desenvolvesse um microfone para ele, pois estava muito descontente com os modelos que havia no mercado. Ele tinha pavor… Todos os microfones, com exceção dos nossos, possuem quatro orifícios ao redor da cápsula que influenciam na rejeição aos sons que vêm de trás. A primeira coisa que indaguei foi sobre o tamanho da cápsula: porque todos tinham meia polegada? Não daria para ser maior? Todos mediam meia ou três quartos de polegada. Se eu pudesse fazer uma maior teria um som mais rico, então eu comecei com uma polegada e meia. E como tratar da rejeição? Ao invés dos quatro orifícios eu criei uma grelha para onde todas as frequências fluem em uma espécie de tubo coletor. A parte inferior do elemento é vazia e com isso obtemos dB de rejeição!

 

Outra questão, o Joe pediu um microfone com o qual não ficasse “chupando” o globo, que pudesse se mover ao redor dele, então o ângulo de captação do microfone vai até 180 graus com o mesmo som de estiver cantando no centro dele. (Neste momento ele faz uma demonstração do microfone PR 40 para broadcast, é simplesmente impressionante…) Tente isso com o seu microfone “bola”! É o que eu chamo de tecnologia “power focus”, isto vem da mesma tecnologia empregada com antenas de rádio amador. Se eu apontar a minha antena para a Costa Oeste, eles não vão me ouvir na Costa Leste.

 

Outros vocalistas como o Paul Rogers (outra lenda, cantou nas bandas Bad Company e até com o Queen) e Charlie Daniels (lenda do Southern Rock dos anos 70) me pediram para desenvolver microfones com formato mais convencional e eu projetei o PR35 que se tornou o queridinho dos palcos ao redor do mundo. (Outra demonstração impressionante).

 

 

AA - E o talk box ?

BH - Muitos dos meus produtos acabaram no museu Rock and Roll Hall of Fame. Fui abençoado em poder desenvolver todas estas tecnologias. O talk box por exemplo, eu não o inventei mesmo recebendo os louros. No final da década de 1930 o Alvino Rey -  os guitarristas devem saber quem ele era - usou um microfone de pescoço, daqueles usados pelos militares,  com a sua esposa que era cantora, mas não como um microfone, ele enviou o sinal da sua guitarra nele, então ao tocar a sua guitarra ele modulava a voz dela. E o chamou de “talking actuator”. Ela ficava atrás de uma cortina em frente a um microfone e ao cantar ela soava como uma guitarra, isso em 1939.

 

Esta tecnologia ficou dormente até 1950, quando um guitarrista em Nashville pegou uma caixa e colocou um falante de 3 polegadas acoplado a uma mangueira,  colocou o seu amplificador de guitarra e começou a gravar. Um pouco mais adiante, nos anos 1960, o Peter Frampton  achou uma em um estúdio e começou a usar em uma turnê da sua banda Humble Pie, o que popularizou muito o talk box.   

 

Eu sempre gosto de experimentar e o meu talk box foi um grande sucesso. Junto com os meus sistemas de quatro vias e monitores de palco. Eu visito as feiras hoje, mas não gosto de ver as caixas penduradas no teto, e encontro muitos artistas que me dizem que gostariam de usar os meus sistemas antigos. O som não pode vir de cima, ele tem que vir de frente. (Gesticula com as mãos.) Pense no seu sistema em casa, tente pendurar as caixas no teto se você não acredita em mim. Outra vez: escutar é um processo mental. E tudo começa com o microfone.

 

 

AA - Onde o senhor acha que a tecnologia de sonorização está indo? Dá para imaginar caixas muito pequenas com níveis brutais de pressão sonora?  Dá para imaginar um técnico de PA desenrolando uma superfície de controle de um tubo como um poster? E escolher os canais de todas as consoles até hoje fabricadas, inclusive as suas? Uma extrema virtualização.

 

BH - Talvez sim com as consoles, mas com relação a falantes e caixas ainda vamos precisar do “real deal”.

 

  • COMPARTILHE
voltar

COMENTÁRIOS

Nenhum cadastrado no momento

DEIXE SEU COMENTÁRIO

Escreva sua opinião abaixo*