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Clement Zular e o áudio imersivo

17/06/2020 - 15:29h
Atualizado em 30/07/2020 - 10:41h


 

Reportagem: Miguel Sá / Foto: Divulgação

 

Engenheiro de som desde 1979 e músico, Clement Zular tem atuação reconhecida no áudio brasileiro. Foi diretor e projetista do estúdio Anonimato (1987-2007), colaborou para as revistas de áudio do Brasil, incluindo a Backstage, fez supervisão de sonorização e direção de palco do Amazonas Jazz Festival e da Virada Cultural de São Paulo e também diversas palestras, workshops e participações em entidades importantes no campo do áudio, como a AES Brasil.

 

Hoje, com a empresa Áudio Portátil, Clement Zular trabalha com gravação erudita de todo o tipo, incluindo orquestras, coros, música de câmara, música antiga ou piano. Também faz gravação e finalização de trilhas orquestrais para cinema e musicais, além de shows ao vivo.

 

Como um profissional que trabalha há muito tempo na captação, Clement sempre fez experiências com as possibilidades do áudio imersivo. Nos últimos anos, este é um campo que se desenvolveu muito, trazendo novos equipamentos e soluções para incrementar tanto o trabalho do engenheiro de som como a experiência do ouvinte. Nesta entrevista para a Revista Backstage, ele nos conta como faz estas experiências e as ferramentas que usa.

 

O que é exatamente uma captação imersiva?

Pode ser uma mistura de técnicas. Você pode ter microfones Ambisonics, de primeira, segunda e terceira ordem. Essas ordens se referem à quantidade de cápsulas que o microfone tem. Então o de primeira ordem tem quatro capsulas e vai aumentando, dando cada vez mais riqueza nessa captação. Nas gravações que tenho feito, por exemplo, há muitos anos colocava um microfone extra mais no alto e no meio da orquestra, para captar essa elevação, para ter a imersão. Mais recentemente, passei a colocar dois, um de cada lado, e vou passar a colocar quatro ou mais nas próximas gravações, além dos microfones principais. Você pode gerar isso (o efeito da altura em pós-produção) mas pode também captar naturalmente, porque isso já está lá. Depois você pode escolher onde vai colocar o ouvinte: em frente, assistindo o show, por exemplo, em cima do palco com os músicos em volta, na plateia da orquestra.  Tem muitas opções.

 

 

Mas o audio imersivo vem desde muito antes, não?

Isso, tem uns 90 anos... Já se usou muito isso...

 

Mas a partir do momento que o som começa a se tornar digital o som começa a tomar uma outra dimensão, não é?

Tem aquele famoso áudio do barber shop, que é um áudio 3D onde tem um barbeiro passando uma tesoura em volta da “sua” cabeça. É um áudio binaural muito famoso. Você põe um fone de ouvido e realmente parece que ele está andando em volta de você, cortando o seu cabelo, talvez um dos hits da história recente. Hoje é muito interessante porque você consegue transportar a pessoa para um lugar através da imersão no som. A imagem já estava bastante avançada nesse aspecto, mas o que distingue esses filmes grandes de um filme normal é o som! Hoje, felizmente está se dando a devida importância ao som. É aquela velha história: se parar a imagem, as pessoas continuam entendendo, se parar o som é um problema. Mas a sociedade é muito visual, e as pessoas prestam muita atenção na imagem.

 

 

Sobre o Barber Shop, é estéreo?

Não. Isso é binaural. É diferente do estéreo. É um áudio binaural que é captado com um microfone tetraedral, e você tem todos planos: para um lado, para o outro, perto, longe, para cima ou para baixo (x y z). Então você realmente percebe, através do fone, o movimento acontecendo em vários lugares no espaço. Há alguns microfones binaurais, “cabeça” da Crown, Soundfield, B&K, Neumann, Sennheiser... Gravei muitas coisas com eles também, além das técnicas tradicionais. O resultado realmente é impressionante. O fone que se usa é o comum,  a captação em sí é específica. É possível também fazer técnicas mistas de captação, que misturem as imersivas com as mais as tradicionais. E temos feito isso, misturado um pouco as coisas para depois ter mais ferramentas e resultados na pós-produção.

 

E com que tipo de ferramenta se trabalha isso?

Estou envolvido com áudio imersivo desde 95. O Anonimato foi o primeiro estúdio 5.1/7.2 da américa latina. Já naquela época eu adquiri um microfone Soundfield e fiz gravações com ele, realizando muitas experiências com áudio imersivo e com Ambisonics. Mais recentemente, tenho uma proximidade grande com a Dolby. O Atmos foi lançado em 2012 e estou envolvido com a Atmos desde então, botando a mão na massa desde 2014. A Dolby trabalha em todos os aspectos da produção, desde a captação ao vivo com o Atmos Live, até a experiência final do usuário, passando por pós produção, codificação, transmissão, ou seja, ela cuida de todos os aspectos de ponta à ponta. São cinco versões de Atmos:  HE (para broadcast), Music, Live, Cinema e DJ.

 

Então, se em uma captação tradicional estéreo, que você tem os microfones que vão para a mesa e vai para a workstation... Nesse caso você tem a captação, você entra no hardware com Atmos e faz lá uma mix. É assim?

Pode ser. Esse é um dos caminhos. Você pode recriar essa imersão na pós-produção ou pode ter captado usando técnicas imersivas ou mistas. Algumas DAWs como por exemplo Pro Tools e Nuendo já tem o Atmos nativo. Você mixa diretamente nos panners. O Atmos é muito interessante pois ele trabalha com áudio baseado em objetos. Então você não mixa como no nosso tradicional 5.1, para uma caixa, um canal físico. Dessa forma, se fizer uma panorâmica entre a esquerda e a direita no estéreo ou no 5.1, você faz uma panorâmica do canal da caixa esquerda para a caixa direita. No Atmos tem isso também, o 7.1.2, 5.1.2, etc..., o que chamamos de Bed (cama) e você tem também os objetos. Então, por exemplo, se você tem um canal com um passarinho passando da esquerda para a direita por cima da cabeça, na sua DAW você indica que aquilo é um objeto e faz aquele movimento do passarinho que é guardado junto do áudio em metadados. Então você mixou não para uma caixa, um canal físico, mas sim indicou uma movimento do objeto no espaço. Pelo lado da produção, uma vantagem é que você faz uma mixagem só e dela extrai 7.1, 5.1, quad. estéreo, Binaural, etc... E os re-renders são muito bons mesmo. Uso tanto Pro Tools como Nuendo, e o Atmos está disponível para muitas outras plataformas também.

 

 

Ele pega uma intenção, um conceito, e transforma para todos esses formatos?

Por essas duas pontas, tanto na produção quanto na reprodução da experiência final para o usuário, o Atmos é muito inteligente. Se você estiver na sua casa, com o seu serviço de streaming em Atmos para filme ou com streamings de música por exemplo, ele vai ver “perguntar”: quem está aí? E ele vai se adaptar ao formato de reprodução disponível existente, desde um sistema discreto (com várias caixas) ou sound bar, smart speakers até o fone de ouvido ou falantes do celular por exemplo. A pessoa pode optar por um sistema discreto com caixas separadas ou se preferir, usa um Soundbar. Apenas um cabo HDMI e a experiência de imersão nele é muito impactante. E no fone também!

 

E quando fala em mexer na pós produção: é pegar um áudio em estéreo e modificar para Atmos, por exemplo?

É possível. Esse é um dos caminhos. Você pode ter um áudio estéreo  ou ter um áudio preparado para Atmos, o que é mais rico. Recentemente foi lançado o clipe da Anavitória pela Universal Music Brasil. A musica se chama Calendário, eu e o Giovani Asselta (Dolby) mixamos esse vídeo para Dolby Atmos com todo um grande suporte da Dolby. Essa foi a primeira musica do Brasil lançada em Dolby Atmos! A Universal, até a última informação que eu tenho, já havia fechado para mixar 30 mil músicas do catálogo em Atmos. A Warner também já começou a fazer em Atmos e outras estão vindo. Na minha opinião, não tem mais volta!

 

 

 

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