Este mês se completam 30 anos de sua morte. O legado de Cazuza segue como um marco para a MPB e para toda uma geração
Agenor de Miranda Araújo Neto, o Cazuza, morreu aos 32 anos, de complicações decorrentes da Aids, no dia 7 de julho de 1990. Para muitos, este fato simbolizou o fim dos anos 80 para o rock brasileiro e foi uma ducha de realidade para uma geração de românticos. Filho do produtor fonográfico João Araújo e de Lucinha Araújo, hoje responsável pela Sociedade Viva Cazuza, o cantor cresceu nos estúdios da gravadora Som Livre, até começar a construir sua própria carreira musical, no início dos anos 80, à frente do Barão Vermelho, parte do então emergente rock nacional daquele decênio.
Cazuza era boêmio, polêmico, rebelde e procurava sempre aproveitar a vida, seguindo sua própria ideologia. No final da década de 80, já em carreira solo, o compositor anunciou que era soropositivo, mas isso não foi motivo para abandonar o trabalho, pois o tempo, dizia ele, “o tempo não para”. Nas gravações de seus últimos álbuns, segundo conta Lucinha Araújo, a única certeza que seu filho tinha era a de que seu tempo era pouco, e por isso ele tentava aproveitá-lo intensamente. O sentimento é o mesmo entre os amigos e ex-colegas, como o baterista do Barão Vermelho, Guto Goffi. “O tempo não para e passou em um piscar de olhos. Sinto muito a falta dele”, admite o músico.
Em pouco menos de 10 anos de carreira, Cazuza gravou oito álbuns: Barão Vermelho, Barão Vermelho 2 e Maior abandonado, quando ainda era vocalista da banda, e Exagerado, Só se for a dois, Ideologia, O tempo não para e Burguesia, já na fase solo.
Mesmo tendo decidido trabalhar individualmente, Cazuza continuou contando com a colaboração de seus parceiros para compor. É o caso de O tempo não para, em que Arnaldo Brandão fez a música e a entregou em uma fita cassete para o amigo criar a letra. “Eu também fiz a música de Nem Sansão nem Dalila”, observa Arnaldo.
Além da dupla com Arnaldo Brandão, Cazuza compôs também com Roberto Frejat, antigo parceiro desde o Barão; com Ezequiel Neves, responsável por seu batismo no meio artístico, com a amiga Bebel Gilberto, além de trabalhos com Lobão, João Rebouças, Guto Goffi e Renato Ladeira.
No plano pessoal, Cazuza era muito amigo e divertido. “Tínhamos uma relação de amizade total”, garante Guto. “Ele estava sempre alegre e, quando bebia, gostava de falar a verdade”, entrega Arnaldo.
Já Lucinha Araújo conta que ela e o filho tinham temperamentos muito parecidos. Guto Goffi, que acompanhou Cazuza em muitas gravações com o Barão Vermelho, revela que o músico nunca se importou com equipamentos e tecnologias. “O Cazuza não era ligado nesses itens”, recorda.
Arnaldo Brandão conta ainda que só acompanhou Cazuza em estúdio uma vez, quando o amigo gravava uma música de Cartola. “Quando fui assistir à gravação de Cartola, ele já estava doente, muito magro.
Mas nunca reclamava da doença”, lembra. Por incrível que possa parecer, Cazuza ainda tem músicas inéditas. Inútil 2, por exemplo, composta pelo cantor e Arnaldo Brandão, nunca foi gravada. Para Lucinha Araújo, os 30 anos sem seu filho só não foram os piores de sua vida porque, estes, foram os que sucederam à notícia de que ele estava doente. Além disso, ela comanda a fundação Sociedade Viva Cazuza, que cuida e oferece assistência a crianças portadoras do vírus HIV. “A instituição foi uma espécie de âncora para mim”, confessa.
A saudade que Cazuza deixou foi enorme em seus inúmeros fãs espalhados pelo país, mas principalmente entre amigos, parceiros musicais e familiares. “Eu morro de saudade, muitas vezes choro quando são lembradas datas como esta”, desabafa Arnaldo Brandão. “Sinto falta do amigo e do poeta, pois sou seu fã incondicional”, derrete-se Guto Goffi. Lucinha Araújo vai além: “Eu sinto falta da presença física do meu filho”, revela.
Cazuza é, sem dúvida, um dos compositores mais importantes da história recente da MPB. “Vejo cada vez mais a perpetuação da obra dele”, comemora a mãe do artista. Arnaldo Brandão, amigo do cantor, pondera e ressalta que Cazuza nunca pretendeu ser santo. “Acho que ele não gostaria de servir de exemplo. Ele é apenas uma pessoa que faz muita falta no mundo de hoje”. Temperamento e vida pessoal à parte, o que ficou de Cazuza 30 anos depois de sua morte foi a sua obra. A importância de sua música é medida por preciosidades como Eu queria ter uma bomba, Solidão que nada, Todo amor que houver nessa vida, Faz parte do meu show e tantas outras canções que embalaram uma geração e, ainda hoje, emocionam pessoas de qualquer idade.