Anuncio topo
REPORTAGENS / Matérias Completas

Bruce Swedien e o Brasil

02/12/2020 - 10:00h
Atualizado em 03/12/2020 - 17:30h

 

Reportagem: Miguel Sá / Fotos: Divulgação

 

Nascido em Minneapolis, no estado de Minnesota (EUA), Bruce Swedien estudou engenharia elétrica com especialização em música na Universidade de Minnesota, além de ter tido aulas de piano clássico com professores particulares dos 10 aos 18 anos. O interesse mais específico por gravações começou quando ganhou um gravador de seu pai em seu décimo aniversário. Aos 14 anos, já trabalhava em um estúdio à noite, fins de semana e férias de verão e continuou essa atividade durante todos os anos do ensino médio.


 Após se formar no ensino médio, durante a universidade gravou grupos de jazz, coros e grupos musicais diversos. Depois conseguiu um emprego como operador do estúdio de gravação da Schmitt Music Company. Lá, ele teve a oportunidade de trabalhar pela primeira vez com grandes gravações, com músicos como Tommy Dorsey.


Em 1957, Bruce mudou-se para Chicago, para trabalhar para a RCA Victor. Bruce trabalhou também na equipe do Universal Recording Studios na cidade. Durante esse período, ele gravou Count Basie, Stan Kenton, Duke Ellington, Woody Herman, Oscar Peterson, Sarah Vaughn, Dinah Washington e muitos mais. Foi a época que conheceu e começou a trabalhar com Quincy Jones, com quem iria, anos depois, gravar o álbum Thriller, de Michael Jackson. 

 


Quncy Jones, Michael Jackson e Buce Swedien

 

 

Bruce tornou-se engenheiro de som independente em 1969, trabalhando em projetos em Nova York e Los Angeles em álbuns de discos e trilhas sonoras de filmes. Em  1977, ele foi para Nova York para trabalhar no filme The Wiz. Foi nessa ocasião que ele conheceu e começou a colaborar com Michael Jackson por meio de sua parceria com Quincy Jones. 


Durante muitos anos, até sua morte, escreveu muitos artigos para os principais jornais e revistas da indústria, fez muitas palestras e seminários de gravação de música para universidades, faculdades e outras organizações, incluindo a Audio Engineering Society, a National Academy of Recording Arts and Sciences e entidades ligadas ao áudio em todo o mundo.

 


Eric, Sergio Mendes, Bruce Swedien e Moogie Canazio


Bruce Swedien estabeleceu um padrão próprio para o áudio no auge da indústria fonográfica. De perto ou de longe, profissionais brasileiros que também são mestres se impactaram com a morte da lenda que os fazia perder noites de sono para tentar chegar àquele som.


Mas não é apenas admiração e encanto que o som de Swedien desperta entre os profissionais brasileiros. Framklim e Flavio, respectivamente nos estúdios da Odeon e RCA na época do auge de Swedien, contam como era difícil tentar chegar ao padrão “gringo” sem informação e equipamentos disponíveis como acontece hoje.

 

Responsáveis pelo som de alguns clássicos da MPB e ainda em plena atividade, os dois também comentam as diferenças de como funcionavam os padrões de qualidade sonora na virada dos 70 para os 80 e hoje. 


Maurício Gargel e Moogie Canazio tiveram a possibilidade de contato pessoal com o ídolo: o primeiro em um workshop na casa de Bruce Swedien, o segundo no dia a dia profissional e pessoal nos EUA, proporcionando um testemunho vívido do conhecimento passado pelo engenheiro de som. Da combinação da forma de trabalhar, tratar com as pessoas e lidar com os recursos técnicos surgiu o som único que ensinou toda uma geração a gravar e mixar.

 


 

Framklim Garrido


 

Framklim Garrido, que além de engenheiro de áudio é também formado em engenharia de telecomunicações, trabalhou durante muitos anos como engenheiro de áudio tanto em estúdio – tendo passado pela Odeon e RCA durante os anos 70 a 80 – como no som ao vivo. No seu depoimento, Framklim comenta que Bruce Swedien lembra a ele tanto o som incrível que vinha dos EUA como a procura pelo som perfeito no Brasil, ainda que com poucos recursos.  


“Ele me deixava sem dormir muitas noites, porque o padrão que ele tinha... era o estado da arte da época. Ele dispunha, pelo que eu entendo, de uma liberdade muito grande. 

 

Bruce Swedien fazia muito sucesso, muitos artistas demandavam ele e ele soava diferente do que os outros faziam. Então era a meta. Lembro que quando fiz Todo Azul do Mar, do 14 Bis, me lembrava de Human Nature, do Michael Jackson. A gente não conseguia, mas eram as inspirações. 

 

Cada disco que ele lançava, ficava pensando: mas como será que ele fez isso! Era como se estivesse em outro planeta, e estava mesmo, porque eles (os norte-americanos) decidiam para onde ia o vento. Na verdade, quem fabricava o vento eram eles. Éramos cobrados para ter um desempenho igual ao deles... “não está igual ao som do gringo...” Também, pudera! Mas independente dessas distâncias tecnológicas ele sempre foi uma referência muito grande pelo menos para parte da minha geração. Eles tinham toda a tecnologia, tinham uma quantidade de grana incomensurável e uma capacidade auditiva inacreditável. Desde os anos 60 Bruce já fazia maluquice em gravação. Quando ainda não se editava os LPs em estéreo, os masters dele já eram em estéreo. Hoje, as referências estão mais pulverizadas, mas naquela época, era bem mais direcionado. Estamos falando de um cara que estabeleceu uma série de parâmetros diferentes na sonoridade da música pop, e o cara gravou o disco que mais vendeu na história, o Thriller. Claro que tinha de ser uma referência.”.

 


 

Flávio Senna



Flavio Senna é um dos engenheiros de som mais premiados do Brasil, com diversos Grammys latino. Desde que começou, já percebia que diversos trabalhos tinham, coincidentemente, um determinado equilíbrio dos graves e uma clareza nas frequências mais altas que, quando ia conferir na ficha técnica, tinham sempre o mesmo nome cravado: Bruce Swedien. 

 

“Falar dele dá uns cinco dias de papo. É um cara que fez Sara Vaughan, Pau McCartney, Michael Jackson, Diana Ross, e com uma pegada... No início eu nem sabia quem era ele. Sou do século passado, comecei em 1971, então não tinha acesso a essa informação. E eu me perguntava, ‘quem é esse cara que só faz disco bom?’.

 

Por ‘coincidência’, sempre que eu olhava a ficha técnica de um disco bom tinha ele. Então, no início, eu pensava que, quando aparecessem os artistas grandes na minha vida eu queria ter aquele som, aquela clareza, transparência, aquele grave...  O jeito como ele trabalhou a parte dos graves e médio graves... Acho que quando você arruma isso você arruma tudo. Tudo o que se diz dele é pouco. Claro que não consegui nem chegar ao B do Bruce, mas algumas ideias, alguns conceitos... de baterias bem definidas, bem explicadas, contrabaixo em um lugar que você fala, não é possível... como esse cara colocou esse contrabaixo aí?! Dizem as lendas que ele demorava dias arrumando uma virada de bateria. Todos os discos mais bacanas que fiz foram discos que eu tive tempo e dinheiro. Isto está ligado. Ele não gastava um tempo absurdo, gastava o tempo necessário. Tinha cacife, poder e moral para fazer no tempo que precisasse. Tinha o controle sobre o trabalho que ele fazia e o talento, o dom... As gravações dele com a Sarah Vaughan... são quilômetros de voz. Não é altura, é tamanho. No Thriller fechou a tampa. Não existe uma pessoa no mundo que não tenha escutado uma faixa desse disco”. 

 



Maurício Gargel



O engenheiro de masterização Maurício Gargel é de uma geração mais recente, com mestrado em Artes pela Middle Tennessee State University (MTSU). Entre os trabalhos realizados, há grandes nomes como Arnaldo Antunes, Emicida, Dani Gurgel, Banda Inquérito, Titãs, Karol Conka e Baiana System. Gargel foi selecionado para dois workshops com Bruce Swedien e nos conta como foi essa experiência. 

 

“Bruce é praticamente sinônimo de perfeição em áudio. Ele desenvolveu uma técnica tão musical que permitiu que ele passeasse por estilos, e épocas, distintas. Do jazz ao pop o foco dele era sempre na música. As gravações com a orquestra do Count Basie (me marcaram) pela maneira genial como ele empregava os microfones.

 

Li a respeito (dos workshops) na internet e entrei em contato. Ele fez uma breve entrevista de seleção e, na semana seguinte, embarquei para a Florida. Fui duas vezes e em ambas foi uma semana com experiencias maravilhosas. Éramos aproximadamente 10 pessoas e Bruce foi uma pessoa muito generosa, tanto por compartilhar sua experiencia como também por nos receber em sua casa com sua família. Todos foram muito amáveis. Bruce foi a pessoa que me mostrou como os microfones de fita realmente funcionam. Ele também me influenciou muito em minha decisão de ‘viver de áudio’. Ele mostrou a responsabilidade envolvida quando se trabalha com um artista. Foi um verdadeiro mentor.  Se eu não tivesse participado do workshop certamente teria uma visão diferente e limitada da minha profissão. Eu acredito que o Bruce fazia os workshops com a intenção de passar o que sabia para pessoas mais jovens… pessoas de uma outra geração. Seu objetivo era que pudéssemos manter a chama acesa.  A idéia de ‘passar a tocha’ para que uma profissão continue se desenvolvendo através da troca de informação criando assim um legado. Isso é muito importante, pois perpetua a qualidade artística daquilo que fazemos”.

 



Moogie Canazio



O encontro de Moogie Canazio com Bruce aconteceu em dois momentos: no primeiro, ainda era “discotecário”, como se falava lá para 1972, em um clube onde tocava e percebeu que tinha uns discos que soavam absurdamente melhor que outros. O então futuro engenheiro de áudio resolveu escrever uma carta para a Brunswick Records – o selo de onde vinham esses discos ótimos – para perguntar o segredo desse som tão bom. Na resposta, atribuíram isso ao fato de usarem o estúdio em Chicago um engenheiro chamado Bruce Swedien. No segundo momento, já morando nos EUA e tendo escutado  Off The Wall, e Thriller, conheceu o ídolo pessoalmente por intermédio de Sergio Mendes, enquando Bruce mixava a música Raimbow Sand, do álbum Brasileiro. O resto é história que Moogie nos conta em seu depoimento.


“O Bruce Swedien foi o primeiro engenheiro que vi sentar com uma partitura aberta na frente dele. Antes, nunca tinha visto. E as vezes que trabalhamos juntos a primeira coisa a fazer era escrever a grade, e a gente fazia as anotações ali. O trabalho principal que fiz com ele foi o do Sergio Mendes (Brasileiro), onde ele mixou duas músicas e ficamos muito próximos. Eu entrei para fazer o álbum em uma transição, e o Sergio estava contando que o Bruce fosse fazer. Mas ele foi fazendo, e fomos seguindo até que eu fiz o disco inteiro. No final (do trabalho) ele já tinha meio que conversado com o Bruce, que mixou duas músicas no estúdio dele, na casa dele. Passei oito horas com ele no estúdio na primeira vez. comigo me desfalecendo de emoção do lado. 

 

 

“Uma vez, estava assistindo ele mixar uma música e entrou uma pessoa afirmando que o som estava sem graves. Fiquei espantado com isso, porque é uma afirmação forte, mas ele parou a mixagem e ouviu a pessoa. Foi a primeira lição que aprendi dele:  as informações que qualquer pessoa traz você ouve. 

 

Se forem valiosas você usa, se não forem você agradece, e diz não, obrigado, mas nunca deixe de ouvir. Isso, de cara, foi um aprendizado para mim, porque não sou hermético. Sou aquele conhecido por desenvolver as ideias. Mas além de aprender dos efeitos, reverb, equalização, posição de microfones e tudo isso, tem uma coisa igualmente importante que é a filosofia dentro do estúdio como profissional. Ele contava que quando estava mixando o Thriller, alguém chegou dizendo que os sopros tinham que seguir no refrão em uma música. O Bruce então falou que legal, tudo bem, mas que voltasse em uma semana porque para subir os sopros naquele trecho teria de fazer diversas mudanças na mixagem. O Thriller foi mixado em cinco meses. 


“O Quincy Jones era um produtor perfeito para trabalhar com o Bruce. Se não me engano, o primeiro projeto que trabalharam juntos foi o The Wizz, o filme do Mágico de Oz com Michael Jackson e Diana Ross, e o Quincy tinha absoluta confiança no Bruce e dava pilha para que ele chutasse a gol mesmo. As coisas tinham que, sonicamente, ter um impacto nunca escutado antes. O Quincy fomentou a arte do Bruce e falou, vamos embora, cada vez mais. O Quincy era um dos maiores arranjadores que teve e um produtor extraordinário. A figura do Bruce ao lado dele era colocar ordem tecnicamente na história toda. Era a melhor combinação, porque um era o melhor produtor que poderia ser e o outro o melhor engenheiro de som que poderia ser, e quando você como produtor tem um engenheiro de som que traduz o que você quer ao seu lado, o céu é o limite. 



“Como presidente do conselho de produtores e engenheiros do Latin Grammy Já fiz uma homenagem a ele. Detesto esse negócio de homenagem a morto. Mostra que foi preguiçoso quando o cara estava perto. Na minha carreira inteira me mirei nele. Numa dessas vezes, no estúdio na casa dele, falei que, por um motivo qualquer que eu não sabia dizer qual era, preferia mixar o som em fita de um quarto que em meia polegada para o master. Ele virou pra mim e falou que, nesse nosso negócio, tem que fazer aquilo que o ouvido te diz, não te interessa o que os outros fazem. Não era o que eu queria escutar, eu queria que ele explicasse tecnicamente. Mas, quando estava dando ré no meu carro para ir embora, ele me acenou e disse que todas as baladas do Michael ele mixou em um quarto, não foi em meia polegada. Bruce tinha uma generosidade com qualquer pessoa, perguntava que fosse, ele dizia o que usava e fazia. Tive o privilégio de escutar uma gravação que ele fez com John Williams e a Count Basie  Orchestra. Quando ele tocou pra mim, parei aqui... Tinha sido feito em 1960, ele deu o play na fita de um quarto. O (disco) original foi em mono, e ele tocou a mixagem que fez em estéreo. O som era um negócio que não dava nem pra explicar de tão bom. Quando entrou o John Willians cantando, quase caí no chão. Meu maior ídolo e minha maior experiencia, fui super acolhido por ele. Falei com ele até cerca de um mês antes da morte. Perdemos um grande ídolo que deixou um legado e é um pesar grande para mim”. 

 

 

  • COMPARTILHE
voltar

COMENTÁRIOS

Nenhum cadastrado no momento

DEIXE SEU COMENTÁRIO

Escreva sua opinião abaixo*