Anuncio topo
REPORTAGENS / Matérias Completas

Áudio imersivo: entrevista com Clement Zular

28/06/2021 - 01:22h
Atualizado em 28/06/2021 - 11:47h

 

 

A partir de quando já se pode começar a falar em áudio imersivo? Quando o conceito de áudio imersivo pode ser aplicado?

Começa até antes do Fanta Sound (áudio multicanal usado com o filme Fantasia, da Disney, na década de 1940). Em 1920, 30, já começou a gravação estéreo com dois microfones figura 8. No estéreo você já tem imersão, já tem espacialidade, etc.  Por exemplo, em gravações estéreo acústicas muito bem feitas, você começa a ouvir as coisas com um pouco de altura, com profundidade e existe alguma imersão no estéreo. Já é uma possibilidade de som imersivo. Não que seja exatamente, mas pode ser trabalhado imersivamente. Não com a imersão que nós temos hoje. Mas isso é minha opinião particular.  O binaural também é uma reprodução em dois canais e é imersiva.

 

 

Como é essa forma de progressão dos formatos no decorrer desses 90 anos?

Na minha opinião pessoal, no áudio nós temos grandes dois grandes saltos. O primeiro é o Estéreo, um salto que abre possibilidades enormes. Depois vem um monte de formatos também interessantes: quadrifônico, 5.1 e outros. Mas esses formatos tem uma questão: eles não garantiam que a experiência final do usuário teria o mesmo resultado que você propôs (no estúdio). Na casa das pessoas, o home theater poderia estar configurado errado, as caixas em qualquer lugar... Então a experiência não era garantida. Até no quadrafônico, pelo próprio conceito nos anos 70 que foi usado, o pessoal pirava e botava bateria num lugar, o baixo no outro... Tudo bem bacana, mas também foi muita experimentação. Agora recentemente, com o Atmos, temos essa facilidade do usuário final escutar o que você propôs, o que o músico quis dizer com aquela música ou captação. Isso vai chegar no usuário final da maneira como você pretendeu de forma muito fácil, porque o sistema descobre quem está lá para reproduzir.  É o celular? Se ele sabe que tem um fone, o telefone pega o fluxo Atmos, adapta e você vai tendo experiências cada vez mais legais. Fone, soundbar, caixas. Os equipamentos agora já saem com decoder Atmos. Então a pessoa não precisa mais se preocupar. Ela dá o Play e simplesmente funciona. Então na minha opinião, esse é o segundo grande salto: Dolby Atmos / Imersão. E todo o processo foi cuidado desde a captação até a experiência final do usuário. Você garante o resultado final, o que é muito interessante!

 

 

Tudo o que você está falando agora é em relação com a reprodução no teatro ou no cinema ou no fone? É sempre com dois canais? pode ser com mais? Como funciona isso?

No imersivo, a mixagem é baseada em objetos. Então se você tem um passarinho que passa da esquerda frontal por cima da sua cabeça para direita traseira, fazendo um movimento pelo meio, ele literalmente passa por cima da sua cabeça. Não nos referimos à uma caixa, um canal físico. No áudio imersivo, estou mixando para um ponto no espaço. Trabalho com objetos. Na mixagem baseada em objetos aquilo passa a ser um ponto no espaço. Então o movimento com aquele pássaro, na renderização final, por exemplo, do Atmos, são metadados indicando o caminho pelo qual ele passa pelo espaço. Quando você ouvir no seu celular, no seu soundbar, em um sistema discreto, cinema ou  qualquer que seja o sistema, ele recebe automaticamente esses metadados, entende que aquele objeto fez aquele determinado movimento e aplica aquele movimento no sistema que estiver disponível, isso pelo lado da reprodução. Pelo lado da produção é muito interessante, porque você produz o material só no Dolby Atmos.  Você pode mixar uma vez só para 7.1.4 ou 9.1.6. Mas vamos falar de 7.1.4, que é o formato recomendado para uma sala de produção. A partir dele você pode extrair todos os outros formatos. Seja um estéreo para uma TV, 5.1 para um DVD,  7.1 para blu-ray, binaural...  Ou no caso de formatos da Netflix, da Globo ou da Disney, e na música com o Tidal, Amazon Music HD e agora a gigante Apple Music, por exemplo, você já transmite o fluxo Atmos. Daí o sistema do usuário é que vai fazer a reprodução para o que ele precisa. E vou falar uma coisa: os downmixes que são feitos automaticamente pelo Renderer da Dolby são muito bons! Se você fizer um downmix para o estéreo, o automático deles é melhor que o dos plugins ou da maneira que fazíamos manualmente.

 

 

Você trabalha o som imersivo na música, mas ele é mais associado ao audiovisual. Como é isso?

Faço muitos tipos de trabalho, mas estou mais voltado para música. Estou envolvido com Atmos desde 2012. Inclusive sou sócio de um novo estúdio o ANZ Immersive Audio, que nasceu de uma ideia nove anos atrás do André Zabeu. Ele já concebeu, há nove anos, para ser imersivo. Apesar de já estar pronto antes, Inauguramos a primeira sala de áudio imersivo do Brasil para música em Dolby Atmos em setembro do ano passado (2020).

 

Além do Dolby Atmos, o imersivo tem outras ferramentas?

Em realidade virtual e realidade aumentada, existem ouras ferramentas e o Dolby Atmos também é um formato que é um grande facilitador para isso.

 

 

O que é um estúdio para áudio imersivo?  Qual a diferença para o estúdio tradicional em termos de equipamento, monitoração e tratamento acústico? Como funciona?

É um estúdio com uma visão diferente. Nós temos duas salas imersivas: uma de mixagem, masterização e pós-produção onde temos um sistema 9.1.(6).6 (com 6 subs) bastante refinado. É um sistema maior. Trabalhamos com Pro Tools, Nuendo, Logic e Ableton Live. São quatro softwares que se prestam muito bem para trabalhar imersão. Temos também uma sala que é um outro conceito. Ela também é de mixagem, 7.1.4 e chamamos de lounge, porque como um dos focos do estúdio é música eletrônica e DJs, então temos uma sala com todos os requintes de um lounge/club. Gravamos nossa primeira live com um DJ e produtor super conhecido, o Gui Boratto e ele fez o set manipulando a imersão , acessando os panners e fazendo o som andar pela sala em tempo real. É uma pegada um pouco diferente de outros lugares que são só para cinema ou só para música.

 

 

A segunda sala é só para esse trabalho com música eletrônica?

As duas podem ser para tudo, só que uma também é um Lounge mesmo. É uma sala que não é só um estúdio. Ela é um estúdio, mas tem uma configuração de lounge, tem todo o equipamento de DJ e vira uma sala de mixagem. Então a ideia desse estúdio é trabalhar todas as possibilidades relacionadas ao áudio imersivo.

 

 

Como é a sequência de equipamentos usados em uma gravação/mixagem imersiva? É semelhante à de uma gravação tradicional?  

Tecnicamente, você pode usar os mesmos equipamentos que já usava para a captação. Se você já grava rock ou heavy metal, por exemplo, você pode fazer a mesma captação. Só a pós-produção é que vai ser diferente. Ou ainda mais interessante, você pode acrescentar na captação microfones extra, e também microfones ambisonics para já extrair esses ambientes para retrabalhar isso depois ou processar com reverber Atmos e outros plugins. Então você tem todas as formas tradicionais aplicadas à imersão e ao Atmos. Eu, por exemplo, entre outros tenho um microfone ambisonics totalmente analógico. Hoje você pode ter o mesmo microfone, mas o processamento onde é ligado é digital. Então você imagina que, antes, havia um estúdio para estéreo que tinha dois canais (na entrega). Então você tem um estúdio para Atmos no qual você tem 12 canais para a entrega. Pode ser menos. Aqui no nosso estúdio temos até 9.1 (6).6 (21 caixas).

 

 

Tem uma sala de gravação?

Tem uma pequena sala que é uma sala coringa. A Maria Rita esteve aqui outro dia gravando voz. Esse estúdio não é bem a pegada de um estúdio de gravação, para entrar banda e tocar. Nós temos um equipamento portátil, então podemos ir até um teatro, por exemplo, e gravar áudio imersivo. Temos setup para isso em vários formatos.

 

 

Você está falando da gravação portátil em vários locais. Existe equipamento de captação específico para favorecer uma mixagem imersiva?

Não exatamente equipamento, mas as técnicas. Você pode usar técnicas puramente imersivas usando microfone ambisonics de primeira, segunda e terceira ordem. Por exemplo. Estamos fazendo um array 9.1.6 (de microfones).

 

 

Qual a diferença do microfone que pode captar um som imersivo do tradicional?

Um dos microfones que eu tenho aqui é o Soundfield MKV de primeira ordem. Ele grava todos os eixos: os eixos horizontais e o vertical, e deriva os sinais para que você tenha imersão.  Ele capta o som 360° e através dessa captação você pode extrair o formato que você precisa: 7.1.4, 9.1.6  e outros formatos.

 

 

E você poderia fazer isso com microfones tradicionais, posicionando eles?

Também é possível, mas é um arranjo um pouquinho diferente de microfones, por exemplo o array 9.1.6 que citei antes. Isso falando de coisas acústicas.

 

 

Do ponto de vista da produção, no início dos anos 2000 teve toda a questão do surgimento do home studio como algo viável tecnicamente. Com o áudio imersivo isso continua ou é mais difícil de produzir profissionalmente fora de um estúdio preparado?

Não, porque você pode produzir com fone de ouvido. Você pode produzir Dolby Atmos no fone, mas o que a gente faz aqui no estúdio são todas as checagens no sistema discreto, no 9.1.6, no 7.1.4, no soundbar, no fone, etc... Quer dizer, a gente garante, a partir de uma série de procedimentos, que isso vai soar bem, como é feito por exemplo em uma masterização tradicional.

 

 

Ainda tem console nesse estúdio? Como funciona?

Não nesse formato tradicional. Estamos totalmente baseados em digital.

 

 

Vocês tem uma controladora? como é feito o gerenciamento do sinal?

Aqui nós temos as controladoras da Avid. Temos também um sistema interessante em desenvolvimento no nosso no estúdio onde o DJ toca usando o software de mercado com o qual ele já está habituado e depois passa pelo nosso hardware. Estamos há muito tempo preparando isso e já transmitimos a primeira Live Imersiva. Estamos desenvolvendo hardwares proprietários e exclusivos.

 

 

Ainda na música, você já fez uma mixagem em Dolby Atmos de uma música originalmente feita para estéreo. Esse “up mix” é feito pelo engenheiro de som ou tem também um cálculo do sistema?

Há plugins de mix automáticos. Você põe o canal estéreo e ele faz o up mix. Já é uma experiência mais legal que o estéreo, mas a gente fez várias experiências aqui. Por exemplo: mixei dois CDs de Jazz agora, do  Duo Clavis e do Mateus Gonçalves trio, de Londrina.  Mixei para estéreo, mas peguei uma das músicas e preparei a imersão dela. Foi gravado em Londrina e muito bem captado, todo mundo tocando junto, então tem um monte de coisa vazando. Por exemplo, no piano você tinha toda a bateria vazando. No vibrafone, tinha todo o contrabaixo. Então o estéreo já foi uma mixagem difícil, porque, por exemplo, para equalizar o contrabaixo tinha que equalizar em todos os canais até chegar no resultado que eu queria. A partir do CD pronto, eu peguei os tracks independentemente processados - foi um teste que fizemos, não é nada de mercado - e pensei: o que posso fazer com esse material? Acabei fazendo a opção de colocar o ouvinte no meio da banda. Parece que o ouvinte está em cima do palco no meio dos músicos. Então o piano está mais à frente à esquerda, a bateria mais a direita, o baixo mais para trás na esquerda o vibrafone mais para trás à direita e ainda tem as alturas. O vibrafone está um pouquinho mais alto que o piano na altura física dele e as peças da bateria estão nas alturas delas. Ficou muito bacana.  

 

 

Quando se definiu, na virada dos 80 para os 90 do século passado, que o som seria digital, começou a onda das remasterizações. Você acha que acha que existe uma possibilidade também de acontecer uma onda de remasterizações para o áudio imersivo?

Já está acontecendo. Já estamos trabalhando nisso e as gravadoras do mundo já estão refazendo milhares de fonogramas em Atmos. Isso já está acontecendo há um tempo lá fora e aqui também já é fato.  

 

 

Saindo da questão puramente técnica, indo para interface entre técnico e comercial Então toda essa questão do consumidor final está começando a ser superada? Aquele debate da qualidade para o consumidor final não vai ter mais a diferença que tinha quando começou começou o uso de dados comprimidos em codecs como o MP3?

Com a banda larga já é possível colocar tudo em altíssima qualidade para o consumidor final. Há 20 anos atrás a gente já falava que que era uma questão de tempo. Sabíamos que isso era uma questão de tempo, que quando a banda aumentasse, as pessoas iriam preferir usar coisa melhor.

 

 

E no som ao vivo? Houve aquelas turnês do Roger Waters com espacialização ao vivo. Isso vai também se aplicar no som ao vivo, ao vivo se é que já não está?

Sim! Agora, com a pandemia, parou, mas eu faço a mixagem da abertura musical da final brasileira do League of Legends um dos maiores eventos de games do mundo. Uma produção tipo UFC, gigantesca. São mais de 150 técnicos envolvidos, levamos essa ideia para lá. Quase fizemos a transmissão do evento em imersivo e também imersivo dentro da  arena, para quem estava lá, mas acabou não acontecendo. Já estava em cima da hora e veio a pandemia... Infelizmente a pandemia entrou nesse momento. Já temos esse sistema, já sabemos como fazer e várias coisas nós já estamos mexendo para que aconteçam imersivamente.

 

 

  • COMPARTILHE
voltar

COMENTÁRIOS

Nenhum cadastrado no momento

DEIXE SEU COMENTÁRIO

Escreva sua opinião abaixo*