A Revista Backstage, como veículo dedicado a todo o universo da produção musical, não fica restrita aos assuntos de engenharia de som. Também falamos de músicos e instrumentos. Neste #TBT Backstage, de outubro de 2007, edição 155, relembramos esta matéria sobre as “cordas a mais” que instrumentistas como Hamilton de Holanda, Sizão Machado, Arthur Maia, Sydnei Carvalho e Jorge Pescara, entre outros, gostam de usar.
Boa leitura!
Reportagem: Miguel Sá - redacao@backstage.com.br / Fotos:Divulgação
Violões de sete cordas, bandolins de dez, baixos de 12... O número de cordas pode ajudar o músico a sedimentar um estilo próprio e a transformar o instrumento antigo em algo novo.
O que têm em comum os músicos Hamilton de Holanda, Arthur Maia, Jorge Pescara, Sizão Machado, Sydnei Carvalho, Mello Jr ou Bilinho Teixeira? Todos eles usam instrumentos com mais cordas do que seria o “normal”. Em geral, isto acontece porque as “cordas a mais” aumentam os recursos dos instrumentos. Alguns embarcam na idéia de forma mais radical, outros um pouco menos, mas todos gostam de poder contar com aquelas notas das cordas extras.
Bandolim Este é um instrumento que tem sua origem no sul da Itália, em Nápoles, no século 18. O que conhecemos por aqui, utilizado no chorinho, tem origem portuguesa. A afinação é semelhante à do violino. O instrumento tradicionalmente tem oito cordas, sendo que elas são dobradas. A afinação é igual à do violino, em quintas, com cordas dobradas em sol, ré, lá e mi. Com o músico Hamilton de Holanda, o instrumento ganha novos contornos.
O músico sentia falta de uma sonoridade mais grave do instrumento, além de querer mais possibilidades na hora de harmonizar, tocar uma melodia ou tocar em bloco, com acordes e melodia. “No ano 2000, pedi a um amigo luthier, o AQUELAS CORDAS a mais... Vergílio Lima, que fizesse um bandolim um pouquinho maior para mim, com 10 cordas. Na época, pedi que fosse um protótipo, com madeiras baratas para teste. Se não ficasse bom, não teríamos prejuízo. Acabou que o bandolim ficou ótimo e se tornou meu oficial por um bom tempo”, comenta Hamilton. A escala do novo instrumento é do mesmo tamanho que a de um bandolim de 8. A caixa acústica ficou um pouco maior, “dando mais ‘profundidade’ ao som”, explica o músico. O bandolinista é um dos principais expoentes do instrumento no Brasil, criando um novo repertório para bandolim solo de dez cordas. Há registros de que o chorão Mário Álvares da Conceição, o Mário Cavaquinho - homenageado por Ernesto Nazareth na música Apanhei-te Cavaquinho - teria usado um bandolim de 12 cordas. Na década de 80, Armandinho, que toca bandolim e guitarra baiana, usou uma quinta corda na guitarra (que tem a mesma afinação do bandolim) e também toca um bandolim de dez cordas. A afinação do bandolim de dez cordas de Hamilton é a mesma do tradicional com um par de dó a mais (E,A,D,G, C).
Contrabaixo O contrabaixo se popularizou na música popular no século XX, quando começou a ser tocado também com os dedos no jazz. Em 1951, Leo Fender cria o baixo elétrico: o Fender Precision, que tinha trastes e formato parecido com o de uma guitarra elétrica, mas com as mesmas quatro cordas do baixo acústico tradicional (E, A, D, G). As primeiras experiências com as “cordas a mais” aconteceram em meados da década de 70, com Anthony Jackson, que praticamente inventou o baixo de seis cordas (B-E-A-D-G-C).
No Brasil, os novos formatos do baixo, em cinco e seis cordas, começaram a se popularizar na década de 80. O falecido baixista Nico Assumpção foi um dos mestres do seis cordas. Outros pioneiros por aqui foram Celso Pixinga, Fernando, do Roupa Nova, e Sizão Machado, que trouxe um Yamaha BB5000 em 86 para o Brasil. “Gostei do recurso mas não uso muito. Uso mais para um efeito no final de uma música”, diz Sizão. Segundo ele, o jeito de tocar não muda muito, a não ser na facilidade que a corda a mais traz na digitação. Sizão também usa baixo de seis cordas em situações específicas, como quando tem que fazer acordes no baixo ou vai tocar “a capela” com o instrumento. O instrumentista ainda utiliza um baixo acústico de cinco cordas. “O braço é mais largo e ele dá uma pesada em cima, mas não muda muito”, diz. O músico ainda tem dois baixos elétricos verticais de cinco e quatro cordas. Sizão usa os instrumentos da Yamaha.
Sizão Machado foi o primeiro baixista a tocar baixo de cinco cordas que Arthur Maia viu tocar. “Eu já vinha usando o de quatro cordas com uma afinação diferente em algumas músicas”. Há 20 anos que os baixos de cinco são os preferidos do instrumentista. “Tenho baixo de seis, mas uso pouco”. Hoje Arthur usa um instrumento desenhado especialmente para ele.
Jorge Pescara é um entusiasta das possibilidades que as “cordas a mais” oferecem. Ele toca não só o baixo de cinco cordas como também modelos especiais de oito e 12 cordas. “O baixo de seis cordas foi desenvolvido para fazer melodias e acordes. Em outras situações, ele não é necessário”, afirma o músico, que toca com a cantora Ithamara Koorax e tem trabalho solo. No entanto, o baixo de seis cordas foi o primeiro que o músico teve com cordas a mais, no fim da década de 80. “Vi o Pixinga e o Arismar do Espírito Santo usando, lá fora era o John Patitucci”.
Pescara também gosta do baixo de oito cordas, que nada mais é que um baixo de quatro com cordas dobradas, como um violão de 12. “Ele soa como se tivesse um chorus”, comenta. Este baixo já foi usado, por exemplo, por Sting e John Paul Jones, do Led Zepellin. Pescara também usa um Megatar: baixo de 12 cordas, com as seis mais graves na afinação do baixo de seis cordas (B, E, A, D, G, C) e mais seis cordas agudas (C#, F#, B, M, A, D). O instrumento é usado com a técnica de tapping, na qual o instrumentista percute as cordas com a ponta dos dedos fazendo a base e a melodia.
Violão de sete cordas Não é preciso falar sobre o papel do violão na música popular brasileira. Há toda uma escola brasileira do instrumento criado pelos espanhóis, com nomes como Baden Powell, João Gilberto, Turíbio Santos e muitos outros da área popular e erudita. O violão é um instrumento que, tradicionalmente, tem seis cordas (E, A, D, G, B, E). Nos regionais de samba e choro, desde os primórdios destes gêneros musicais que o violão de sete cordas (com uma corda mais grave em si ou dó) marca presença. As primeiras referências ao instrumento dão conta de que o violonista Tute, que tocava muito com Pixinguinha, foi um dos primeiros a tocá-lo. Ele foi a inspiração para Dino Sete Cordas, falecido em maio de 2006, considerado o criador da linguagem atual das “baixarias” usadas no instrumento. As gravações de Cartola com ele no violão de sete cordas são consideradas essenciais para quem quer tocar o instrumento.
No entanto, a linguagem dele foi expandida por músicos como Raphael Rabello, falecido em 1995. Hoje em dia ele é usado como um instrumento que oferece mais possibilidades para o músico. “O violão de sete cordas não é só a baixaria”, explica Bilinho Teixeira. Segundo ele, a “corda a mais” aumenta os recursos do instrumento na hora de fazer arranjos, conduções harmônicas e fazer acordes mais “cheios”. “Também toco jazz com ele”, diz Bilinho. O músico, que também toca violão de seis cordas e guitarra, gosta de usar o instrumento em formações de trio, como a que tem com o baterista Márcio Bahia e Franklin da Flauta, na qual precisa preencher a harmonia e as regiões mais graves.
No entanto, o violão não precisa ficar restrito às sete cordas. No quarteto Maogani, por exemplo, Maurício Marques e Paulo Aragão tocam violão de oito cordas. O multiinstrumentista Egberto Gismonti chega a usar um violão de dez cordas.
Guitarra de sete cordas Desde a década de 30 que há guitarras elétricas de sete cordas. O guitarrista de jazz George Van Eps tinha uma com a sétima corda afinada em lá. Outros guitarristas de jazz usaram o recurso extra, como Bucky Pizzarelli, Howard Alden, Ron Eschete, Lenny Breau e John Pizzarelli, filho de Bucky. O formato atual da guitarra de sete cordas, bastante usado no rock pesado, entrou em produção comercial pela Ibanez, com o modelo Ibanez Universe, usado por Steve Vai, que popularizou o formato no rock.
Entre os guitarristas que utilizam o instrumento no Brasil, estão Sydnei Carvalho e Mello Jr. O primeiro as utilizou bastante em seus trabalhos com Alex Martinho, Intensity e Intuition. Mello Jr está finalizando um trabalho com Maurício Leite (bateria) e Felipe Andreoli (baixo) no qual a guitarra de sete cordas desempenhou papel importante. Ao serem questionados sobre o que a guitarra de sete traz para o som, ambos não exitam: o peso. “A guitarra de sete cordas proporciona trabalhar o som numa região mais grave, em que uma guitarra de 6 cordas não alcança. É ideal para sons pesados”, diz Mello Jr.
A primeira vez que Mello Jr viu uma guitarra de sete cordas em atividade foi com Steve Vai, nas gravações de Passion and Warfare. “Os guitarristas que me influenciaram na linguagem dessa guitarra foram Steve Vai, os guitarristas do Korn e John Petrucci”, comenta Mello.
Para Sydnei, a técnica muda um pouco em relação à guitarra de seis. “A pegada é outra, o braço é mais largo e a corda a mais acaba tirando uma relação visual a qual você já está muito acostumado. Mas o elemento técnico mais difícil em minha opinião é o “mutting”, ou seja, a forma como tem que abafar as cordas que não estão sendo tocadas. Com uma corda a mais e um braço bem mais largo esta técnica se torna bem mais difícil”, diz o guitarrista, que usa guitarras de sete cordas N.Zaganin. Ambos os guitarristas utilizam a sétima corda afinada em si.