Fotos: Internet / Divulgação / Site Oficial stevehunter.com
Steve Hunter já tocou no estúdio e no palco com Alice Cooper, Lou Reed e Peter Gabriel.
Infelizmente não veio ao Brasil nem em 1974 com Alice e nem 1989 com a turnê “Night Of The Guitar”, talvez o encontro instrumental do gênero mais monstro que já rolou por aqui…
Aproveite para assistir um dos shows aqui:
Alexandre Algranti - Como as turnês de hoje diferem das turnês da década de 1970? Quais as dores de ser um pioneiro da estrada?
Steve Hunter - Não sei se realmente é diferente (da década de 1970). Mas na década de 1960 era bem diferente. Ninguém sabia o que estava fazendo (risos). Quando toquei com Alice Cooper nos anos 70 já tínhamos o nosso próprio avião e nos anos 80 começaram a surgir os ônibus, que eram uma forma mais econômica de fazer as tours. Mas basicamente é o mesmo: viagem, hotel, gig, hotel, viagem…
Com Peter Gabriel. Foto de Anton Corbijn
AA - Quem tinha o show mais louco no palco? Alice Cooper,ou Lou Reed? Peter Gabriel talvez?
SH - Sem dúvida o do Alice. Nós tínhamos o show mais louco da época. Eu adorava, era como um teatro rock and roll. A música logicamente era a espinha dorsal, um rock and roll pesado, mas ao redor tinha um teatro que Alice amava fazer. Era um prazer tocar todas as noites, curtimos muito todos os shows, mas definitivamente era o mais louco, tinha todo tipo de objetos de cena, tinha as dançarinas, tínhamos a “tela mágica”, uma teia de aranha gigante… Tinha de tudo e era incrível.
Com Alice Cooper. Foto: Divulgação
AA - Você veio com ele em 1974?
SH - Não, comecei a tocar com ele só em 1975.
AA - Foram shows lendários, em pleno governo militar, não sei como deixaram rolar…Eu era criança e vi ele e aquela guilhotina na televisão…Fiquei apavorado.
SH - (Risos)
AA - Você tocou em discos lendários como “Billion Dollar Babies” do Alice Cooper, “Rock’n’Roll Warrior” do Lou Reed e o primeiro solo do Peter Gabriel. Qual foi o disco mais difícil dos pontos de vista artístico e físico?
SH - Foram dois na verdade: o “Out Of The Storm” do Jack Bruce, ele escrevia música complicada, mas foi bom, eu curti muito. O outro foi o primeiro solo do Peter Gabriel. A faixa “Solsburry Hill” tem um tempo estranho, em 7/4, e eu nunca havia tocado em 7/4 antes. Tocar violão neste tempo foi um grande desafio. Mas foi muito divertido exceder meus limites e tentar entender o que fazer.
Com Lou Reed. Foto: Divulgação
AA - Qual sua tecnologia musical favorita?
SH - Essa é uma pergunta realmente difícil. Quando a Roland lançou a guitarra sintetizador eu realmente amei o conceito. Não era um grande produto, mas ninguém tinha um produto similar. Eu pensava que havia um futuro(para a guitarra synth). Pensar em tocar um piano com uma guitarra, uma flauta ou qualquer coisa similar realmente me interessou. Eu entendo mais de guitarra do que teclados, então eu gostaria de programar e tocar na guitarra e é o que eu faço ainda hoje.
AA - Analógico ou digital?
SH - É a pergunta do século (risos). Com o digital você faz coisas que não conseguia fazer com o analógico. A edição, por exemplo, é ridiculamente fácil no domínio digital. Antigamente você tinha que ser um cirurgião para cortar a fita da maneira certa, era muito dolorido…E também dá para se livrar do ruído e outras coisas. É uma dádiva de Deus em muitas maneiras, mas meus ouvidos ainda tendem para o analógico. O digital ainda não avançou para superar isso. Talvez hajam dispositivos digitais que cheguem bem perto do analógico mas para mim que sou um cara “old school” que cresceu com fita de 16 canais eu ainda amo como o analógico soa. Quando eu mixo meus trabalhos, tento fazer soar o mais analógico possível. Eu tenho um amigo que tem um estúdio com uma Neve onde eu posso “adocicar” o meu trabalho.
AA - Como você protegeu a sua audição durante tantos anos na estrada?
SH - Eu tenho perda auditiva. Antigamente eu usava um produto chamado “Sonic Blaster” ou algum outro nome engraçado, eram plugs de ouvido para quem atirava com espingardas calibre 12. Elas fazem muito barulho. Usei desde a época com o Alice Cooper. Mas depois, ao tocar com a Tracy Chapman, eu não precisava mais, nós tocávamos muito baixo, dava para nos falarmos no palco e escutar um ao outro. Mas quando fiz turnês com o Lou a coisa ficava às vezes um pouco alta e creio que foi o que levou um pouco da minha audição. Hoje fazem até moldes para seus ouvidos mas naquela época era com plugues para atiradores. (Risos).
AA - A turnê “Night of the Guitar” foi um projeto fantástico. Como foi tocar com tantos gigantes como o senhor no mesmo palco? Robbie Krieger, Jan Akkerman, Steve Howe, Alvin Lee, Randy California, Leslie West, Andy Powell… Era um ambiente muito competitivo, ou havia camaradagem?
SH - Nada competitivo, todos nós nos demos super bem. Eram meus ídolos. Steve Howe, Leslie West, Alvin Lee, eu escutava eles quando aprendia a tocar guitarra. Tocar num show com eles foi mágico, toda noite era fantástica. Assistir ao Leslie West, era um dos meus favoritos, ele tinha o vibrato mais lindo. O Steve Howe tocava umas coisas complicadas, o Robbie Krieger, eu sempre fui um grande fã do Doors, eram todos meus heróis.
AA - Trabalhei na produção em São Paulo e levei o Leslie West na Rua Santa Ifigênia, a nossa Rua 48. Ele deu uma desculpa que queria comprar baterias para os pedais dele mas queria mesmo dar uma banda pela cidade. Muito divertido ele…Que Deus o tenha!
SH - (Risos)
AA - Se o senhor pudesse montar uma banda com qualquer músico, vivo ou não, quem estaria nela?
SH - Primeiramente o John Bonham na bateria. No baixo poderia ser o Jack Bruce, com quem trabalhei e era muito fã do Cream, mas acho que seria o Jaco Pastorius. Nunca vi ninguém tocar baixo como ele desde então. Ele era único, ninguém fazia o que o Jaco fazia. Nos teclados seria o Dr.John com quem já gravei também, era sensacional. Se eu quisesse tocar com outro guitarrista, o que realmente eu gosto de fazer, não seria o Jimi Hendrix já que ele não precisa de ninguém, igual ao Jeff Beck. Eu ficaria no canto vendo eles tocarem. (Risos). Esses são os caras.
AA - O que você anda ouvindo? O que está rolando na sua playlist?
SH - Minha playlist é bizarra, gosto muito de música. Em falando de Brasil, um dos meus heróis dos anos 60 foi o Tom Jobim. Eu amo bossa nova, como ele tocava violão, como cantava. Já gravei covers de suas músicas, “Desafinado”, “Samba De Uma Nota Só”... Ele está sempre lá. Mas depende do que eu estou fazendo no momento. Se estou gravando um disco mais para o rock vou ouvir Jeff Beck ou os primeiros discos do Cream. Minha playlist é muito estranha mas sempre estou a fim de ouvir o Jeff Beck ou o David Gilmour, são muito saborosos e tem modos distintos de tocar. Também ouço os clássicos, eu amo Debussy, tem muita música e depende do que eu estou fazendo no momento.
AA - Quais cinco discos você levaria para uma viagem a Marte?
SH - Dois são duplos…
AA - Sem problemas de excesso de peso… (Risos)…
SH – (Risos)… “The White Album” dos Beatles, tinha tantas músicas lindas, com a produção incrível do George Martin, claro. Cada um dos Beatles estava num caminho diferente um pouco mas se juntaram como os Beatles. Os quatro lados são lindos e creio que nunca ficarei cansado de ouvir ele. O mesmo com “Axis: Bold as Love” do Jimi Hendrix, para mim é uma das coisas de guitarra mais extraordinárias que já ouvi até hoje. Não só os solos, mas muita coisa rítmica. As vozes das guitarras são fabulosas.Eu nunca me cansaria em ouvir este disco. “A Kind of Blue” , do Miles Davis, ainda creio que é um dos discos mais bem gravados. Posso ficar cinco anos sem ouvir mas é sempre “meu Deus” ! Tem o Coltrane e o Cannonball Adderley, o Bill Evans, é ridículo o quão bom este disco é. Eu levaria também o meu disco “Hymns for Guitar”, eu tentei me concentrar na melodia de hinos religiosos antigos e gostei muito do resultado, fiquei muito feliz. E finalmente “Blow by Blow” do Jeff Beck, quando ouvi pela primeira vez fiquei louco. Que disco fabuloso!
AA - No seu site está escrito “A coincidência é a maneira de Deus se manter anônimo”, atribuido a Albert Einstein. Poderia elaborar?
SH - Primeiramente acho engraçado. Mas talvez você possa questionar a coincidência, talvez exista, talvez não. Podemos pensar em algo como uma coincidência mas talvez ela estava fadada a acontecer. Einstein foi acusado de tentar se livrar de Deus, e ele respondia que só estava tentando explicar as coisas que Ele fez, só isso. Se você quer ser espiritual ou não é com você, quando você pensa em uma coincidência, às vezes fica difícil entendê-la como tal. Às vezes parece que algo aconteceu por uma razão quando você olha para trás.