O Grand Funk Railroad (GFR) foi o Led Zeppelin americano e uma das bandas que mais vendeu discos na década de 1970. Diz a lenda que Peter Grant, empresário da banda inglesa, mandou encurtar um show de abertura deles: o público estava simplesmente ensandecido com a performance dos convidados e logo passou a vaiar os anfitriões. No Brasil, um cover de “The Loco Motion” foi um sucesso nas discotecas da época.
Conversamos com Mark Farner, guitarrista e vocalista de um dos grandes power trios da história do rock and roll, que se apresentará com sua Mark Farner’s American Band no Brasil entre 20 e 25 de abril.
Alexandre Algranti - Como a descoberta de novas bandas na década de 1970 diferia do que acontece hoje?
Mark Farner - Nos anos 70 as emissoras de rádio ainda eram um negócio familiar, hoje os conglomerados corporativos controlam as ondas de rádio. O formato era livre naquela época, era em AM quando começamos em 1969. As FMs ainda engatinhavam e era legal porque não rolavam tantos comerciais nesta “nova” mídia e os DJs tocavam de tudo, incluindo músicas com durações mais longas. Com as nossas músicas eles podiam sair para ir ao banheiro, comer algo, fumar um cigarro. Risos.
Hoje com o domínio dos conglomerados corporativos sobre as ondas de rádio não temos mais a liberdade e os DJs que outrora mantinham as nossas comunidades informadas sobre novos artistas. Hoje temos uma sobrecarga sensorial de material e ao invés de termos um diretor de programação para cada emissora nós temos uma única playlist para tocar em milhares de emissoras. É uma pena…
AA - O que o estado de Michigan nos EUA tem de tão especial? Vocês tem artistas como o Grand Funk Railroad, os Stooges, os MC-5, Alice Cooper, Ted Nugent. Fora a Motown…
MF - Quando as montadoras automobilísticas estavam a todo vapor à partir da década de 1940, famílias como a minha se mudaram do estado do Alabama para a cidade de Flint buscando empregos com muito bons salários. E todo mundo que veio da região Sul dos EUA que tocavam algum instrumento os trouxeram junto. Minha família organizava jam sessions e era muito bonita toda essa música. Além do mais não existia o preconceito racial contra os negros que exisitia no Sul…Para mim o que importa é a cor do coração e não a da pele.
AA - O seu cover de “The Loco Motion” fez sucesso nas discotecas no Brasil. Qual a influência da Black Music no som do GFR? Confesso que mesmo como um devoto de Black Sabbath eu adoro a disco music…
MF – (Risos)Desde os 17 anos fui influenciado por um cantor de Soul chamado Howard Tate. E desde então Smokey Robinson, Stevie Wonder, Aretha Franklin, os Temptations, todos estes grandes vocalistas que, você sabe, faziam você querer dançar. Quando ouvi o Howard Tate eu falei “eu quero cantar como esse cara”! Que Deus o tenha, ele tinha um range vocal que podia atingir a estratosfera com suas músicas de partir o coração. Aprendi com ele a fechar os meus olhos ao cantar no estúdio. Eu gosto muito da Black Music por causa do feeling e a sua alma inegável.
AA - Como foi esgotar os ingressos do famoso Shea Stadium mais rápido do que os Beatles?
MF - Quando me contaram eu achava que estavam brincando. Foi em aproximadamente três dias. Eu pensei: ‘é a minha música’! Eles gostavam tanto da minha música que ficavam na fila e dormiam em barracas na vizinhança do estádio para que pudessem comprar ingressos quando as bilheterias abrissem de manhã. Foi extraordinário para mim que as pessoas mostraram o seu amor pela música daquela maneira. E quando entramos no palco uma onda emocional bateu forte, me senti flutuando a um metro sobre o palco. Fico arrepiado em te falar isso…
AA - Com qual produtor musical você se divertiu mais no estúdio, Frank Zappa ou Todd Rundgren?
MF - Me diverti igual com ambos, só que de formas diferentes. Com o Todd, ele estava mais relaxado, as coisas vinham naturalmente para ele, ele é um gênio musical, da mesma forma que o Frank Zappa foi um gênio musical. Mas tinham personalidades totalmente diferentes. O Todd apertava os botões e deslizava os faders certos e até cantou os falsetes na faixa “The Loco Motion”. Ele batia cinzeiros ritmicamente e controlava minha unidade de efeitos Echoplex com um som que parecia que a guitarra estava comendo a si mesma (vocaliza um som de um motor elétrico parando). O Frank Zappa por sua vez ficava sentado e tomava café, tomava café, tomava café, tomava o equivalente ao que dez pessoas tomariam, mas sempre estava muito concentrado. E dizia “vamos tentar isso, vamos tentar aquilo”, tínhamos tanto respeito por ele e tudo o que ele sugeriu que tentássemos nós tentamos.
AA - Qual a sua tecnologia musical favorita?
MF - Eu uso um software da MOTU há muitos anos, é o único que eu sei usar. É um software de gravação digital chamado “Digital Performer” do qual eu sei operar o suficiente para gravar as minhas músicas e massageá-las com um pouco de reverb, de crunch, de limitação e compressão, está tudo na ponta da minha mão. Eu gostaria porém de alguém que pudesse me ajudar a fazer mais com ele ao invés de ter de ler o manual…
AA - Como você cuida da sua audição depois de tantos anos na estrada? Eu consigo imaginar a altura dos shows do Grand Funk…
MF - O quê? Risos…
AA - Risos…
MF - Não que eu não tenha sofrido com um pouco de perda auditiva. E eu sofro de tinnitus. Mas eu ainda consigo ouvir a minha voz acima disso tudo. E enquanto eu conseguir eu ainda estarei nos palcos. Quando chegar ao ponto de não conseguir mais atingir as minhas notas como algumas pessoas que eu conheço, que por não se ouvirem nos monitores elas cantam fora de afinação, eu irei parar.
AA - Se você pudesse montar uma banda com qualquer músico, vivo ou não, com quem seria? Imagina se você pudesse escalar o Miles, o Beethoven, o Coltrane, o Hendrix…
MF - Jimi Hendrix com certeza. Little Stevie Wonder. Eddie van Halen. E o baterista Sandy Gennaro da banda Joan Jett and The Blackhearts. E o Jack Bruce.
AA - Você conheceu algum deles pessoalmente?
MF - Eu já toquei com o Jack Bruce em 2002, foi uma experiência maravilhosa.
AA - O que fez do Grand Funk Railroad uma instituição do rock and roll americano? E qual é o seu legado?
MF - O legado está contido na música e como eu escrevi noventa e dois por cento dela eu posso dizer honestamente que as minhas músicas provocaram as pessoas a pensarem nas coisas, sobre como salvar o planeta, a acabar com a guerra, sobre a nossa pegada ecológica aqui quando estamos na Terra. E sobre os meus ancestrais nativos americanos. Acho que porque a música provocou as pessoas a pensarem que somos todos irmãos e irmãs independente da cor da pele, de qualquer coisa.
AA - Quais cinco discos você levaria numa viagem a Marte?
MF - “Take It While You Can” do Howard Tate. “Janis Joplin Live”, quando ela canta uma música do Howard Tate cara, meu Deus ! Compre agora. “Electric Ladyland” do Jimi Hendrix. O disco do Yardbirds com o Jeff Beck tocando “Train Kept a Rollin’”. E “Closer To Home” do Grand Funk Railroad pois a faixa título é a maior obra que eu já compus e ela significa tanto para tantas pessoas cara.
AA - E para fechar?
MF - Você tem que se libertar. Porque ninguém vai fazer isso por você… Liberte-se !
Discografia sugerida
We´re An American Band
E Pluribus Funk
Serviço:
20 e 21 de Abril - Carioca Club - Rua Cardeal Arcoverde, 289
23 e 24 de Abril - Teatro Vannucci - Rua Marques São Vicente 52 3 And lj 371 no Rio de Janeiro
25 e 26 de Abril - Mister Rock - Av. Teresa Cristina, 295 - Belo Horizonte