No dia 02 de agosto, um movimento histórico dos profissionais da graxa deu seu pontapé inicial em São Paulo: foi a Passeata com Cases, em São Paulo. O ato foi consequência tanto da crise da pandemia, que praticamente “cancelou” a indústria do entretenimento, como das diversas iniciativas que tentaram diminuir os problemas pelo qual passa a galera da graxa. Das cestas básicas até a lei Aldir Blanc, foi se formando o rio que agora desemboca na organização das demandas dos trabalhadores que fazem os espetáculos acontecerem. “Importante ressaltar que a preocupação com o não agravamento da pandemia esteve presente no movimento. Fazer uma passeata em meio a pandemia é algo muito perigoso. Nos preocupamos com o distanciamento. Foram feitas plantas sobre como os caminhões seriam descarregados, onde seria a concentração. Não ouve aglomeração e teve todo um cronograma bem ensaiado. Possibilitamos lanches individualizados e assépticos, garrafas d'água e, em todo o trajeto, álcool gel foi dado para todo mundo individualmente. Então foi algo muito bem pensado nesse sentido”, ressalta Caio Bertti, empresário da área de iluminação, em entrevista exclusiva para a Revista Backstage.
O sucesso do movimento pode ser medido tanto pela recepção que tiveram entre os profissionais da graxa – no dia 16 de agosto, passeata similar ocorre no Rio de Janeiro - como na repercussão que já aconteceu até nas esferas federais de decisão. O saldo final foram 1500 participantes inscritos e presentes na passeata, o apoio oficial virtual ou presente de 53 empresas e o engajamento da classe artística em geral, com mais de sessenta artistas declarando apoio. Também já houve uma segunda reunião com o secretário de cultura do estado de São Paulo, Sérgio Sá leitão, no dia 11 de agosto e, no dia 12 de agosto, com o secretário nacional de cultura Mário Frias.
Com a organização inicial de José Augusto, da Maxi Audio, Ronaldo Passarelli, da RP Lighting; André e Orlando, da Flex Som Luz & imagem, Gabriel Pincel, da Wolf Produções além de Caio Bertti, da LPL, o movimento teve ainda a participação de Marcio Pilot da Loudness, das empresas Muzik Produções e Apple Produções.
- Como surgiu a ideia?
A ideia surgiu de um grupo que estava falando exatamente sobre como tentar passar esse período do covid-19 da melhor maneira possível, dividindo informações pertinentes de estudos e protocolos e referentes a leis que estava sendo feito por causa da pandemia. Esse grupo de pessoas, na grande maioria empresários, e eu particularmente, se identificou muito com o movimento que houve na Bélgica, no qual colocaram cases em pontos significativos da cidade, para demonstrar que os profissionais que trabalham com cultura e música estavam parados e não tinham suporte. Eu falei que gostaria muito de fazer algo que eu achava que era a melhor maneira de chamar atenção para as pessoas que estavam mais necessitadas, no caso os técnicos, sem perspectiva, vivendo de cesta básica. Fui amplamente apoiado por todo o grupo. O Zé (José Augusto), da Maxi Audio, comentou, em tom de ideia que, ao invés de fazer o movimento deixando os cases iluminados e parados, que as pessoas poderiam acabar entendendo como algo apenas cultural, poderíamos fazer uma passeata com cases. Foi, na hora, percebido como a melhor ideia.
- Quem participa da organização do movimento? Fizeram algum tipo de reunião para acertar a pauta?
Como entre nós já havia muito debate, tudo em prol do melhor, percebemos que demorava muito a tomada de decisão. Decidimos ficar entre nós e, em um determinado momento, chamamos o Ricardo Dias, presidente da Associação Brasileira de Eventos (Abrafesta), que tinha possibilidade melhor de conseguir aprovação do município (para a passeata).
- Quanto tempo demorou a organização da passeata?
Demoramos 45 dias para fazer. Sabíamos que teria de ser Impecável e que os técnicos mereciam a nossa total atenção em todos os detalhes. Uma vez que estamos tirando o backstage da invisibilidade e apresentando para a sociedade um clamor de ajuda para os governantes, esperamos todos os termos burocráticos para anunciar a data e no final, entre empresários, produtores e quem queria que isso desse certo, havia mais de 50 pessoas..
- As ferramentas disponíveis (auxílio emergencial, lei Aldir Blanc, etc.) não contemplam o trabalhador da graxa?
Infelizmente há um total desalinhamento, desorganização e desunião das classes culturais. A lei Aldir Blanc, infelizmente, é intangível para qualquer técnico de som, luz, vídeo e efeitos especiais, entre outros que não tem relacionamento direto com as entidades culturais que a lei Aldir Blanc vai conseguir atender.
- Como o manifesto foi preparado?
Todo o processo foi feito com o alinhamento muito próximo entre os técnicos. Eu peguei essa responsabilidade mais de perto por ter uma amizade próxima dentro das empresas, um pouco mais pessoal com as pessoas da graxa. Amizade mesmo. Fiz questão de ouvir diversos técnicos e seus anseios. O manifesto foi feito por intermédio de diversos técnicos e nós. Uma pessoa que demos muito valor à opinião é o Isaac Ruda.
- Do ponto de vista das empresas, como está o acesso ao crédito, e de que forma isso pode ser facilitado?
O nosso pleito começa focado no ser humano que passa pela pior época da sua vida relacionada à trabalho e a fonte de renda, mas ele não seria verdadeiro se a gente não falasse que as empresas também precisam de ajuda. Somos um ecossistema e um precisa do outro. As empresas precisam muito da sua mão de obra. Não existe empresa sem trabalhador, e o trabalhador também precisa da empresa que, por muitas vezes, consegue gerar essa estabilidade (de trabalho), seja por CLT, seja por contrato intermitente ou até terceirização através de MEI. A maioria das empresas não se encaixam nas linhas de crédito e o grande problema que todas as empresas encontraram, mesmo as poucas que se encaixam, é que ninguém consegue ir na Caixa Econômica ou BNDES diretamente. Quando chegamos nos bancos privados, eles entendem que o nosso segmento tem muito risco e não tem interesse de emprestar dinheiro a nenhuma empresa do nosso Ramo.
- No estado de São Paulo, foi apresentado um plano para a reabertura dos eventos. No entanto, a falta de um plano nacional similar tem efeitos para o planejamento das empresas?
Já é sabido que há um desalinhamento entre os nossos governantes nas escalas federal, estadual e municipal. É um desalinhamento político e na questão da abertura. Hoje em dia, na cidade de São Paulo, o prefeito acredita que a parte cultural só volta na fase verde. O estadual já liberaria na faixa amarela e o Federa... Por outro lado, também não há ninguém que regulamenta os protocolos e retomadas, as porcentagens, quais os padrões de trabalho, enfim ... Então sim, é um problema que eles (os governos) na verdade devem se posicionar e apontar. Não temos que ter esses estudos próprios. Acreditamos que eles que tem que se colocar na questão de como quando e onde. As notícias são só negativas, Só tem as de cancelamento dos eventos futuros como Fórmula 1, ano novo, carnaval... A retomada não cabe a nós. Cabe a eles.
- O que deve ser feito daqui para frente? Foi entregue algum documento em alguma instância de governo?
De uma maneira muito aleatória e ocasional, a nossa voz foi ouvida imediatamente, por acaso pela Thais Amaral Moura (servidora do Ministério do Turismo) no Parque do Ibirapuera 9durante a passeata). Na mesma hora ela mandou vídeos, fotos e informação. Mandei todos os esclarecimentos possíveis via WhatsApp com tudo que tínhamos na mão. Em menos em 24 horas ela pediu um ofício. Mandamos e ela encaminhou um retorno oficial dizendo que estaria olhando por nós(esta entrevista aconteceu antes da reunião com o secretário especial de cultura Mário Frias).
- Algo mais que queira comentar?
A maioria esmagadora do mercado apoiou, a classe artística em massa se sensibilizou e se identificou. A graxa, como nós chamamos, é o que faz engrenagem toda girar. A passeata com cases, além de tudo, conseguiu mostrar existe uma necessidade de união entre todos. Não dá para lutar com uma parte, uma classe, um segmento só. Todo mundo existe e convive e necessita do outro. Estamos sim sendo ouvidos. Logo depois da passeata, houve mensagens representativas pedindo que organizássemos outras passeatas para que se possa exercer o seu legítimo direito de protestar. Isso é uma responsabilidade muito grande. Já que houve o posicionamento oficial do governo para nos escutar, agora você tem que esperar o posicionamento do governo. Depois decidimos o que fazemos ou não. Eu acredito e espero muito que os técnicos entendam a força que tem e a necessidade de ter essa reorganização. Não é da passeata com case e o intuito de seguir nesse sentido. Sabemos que nos Estados Unidos e Europa já existe uma indústria muito mais bem preparada, mais antiga e sindicatos e uniões com força e legitimidade.