Legenda da foto de aberura: Ludmilla sobre o cubo de LED
Reportagem: Miguel Sá | Fotos: Pedro DaRua / Mariana Pitta
Mari Pitta não só se formou em arquitetura como exerceu a profissão. No entanto, a vontade de se aproximar das artes a fez começar uma pós-graduação em cenografia no Rio de Janeiro. Ela sabia que lá estaria mais próxima não só de cursos ligados à área como também do campo de trabalho, e estava certa. Foi no Rio que conheceu Jorginho de Carvalho, professor, light designer e um dos fundadores do campo profissional da iluminação cênica no Rio de Janeiro e no Brasil, e Césio Lima, diretor de fotografia, light designer e sócio e fundador da LPL responsável, entre outras coisas, pela implantação da iluminação cênica no carnaval da Marquês de Sapucaí. .
Os dois encontros fundamentais trouxeram aprendizados e progressos na carreira até que, no Rock in Rio, Mariana fez o projeto de luz do show de Ludmilla. Lá, Mariana usou o sistema Grand MA3 gerenciando cerca de 100movinglightsextras em um grid suspenso com movimento e 94 ribaltas compondo os patamares da cenografia, além do sistema de canhão seguidor recém-lançado Zactrack. Por conta desse sistema, Ludmilla usou dois tags no corpo que faziam com que dois movinglightsfuncionassem como canhões seguidores nocontraluz. Também foi montado um cubo de LED com elevação automatizada no qual foram utilizados painéis de LED 3.9mm da empresa LPL.
A história da carreira de Mariana Pitta e toda da preparação do show você fica sabendo nessa entrevista exclusiva para a Revista Backstage.
Mariana Pitta
Quando fez a pós em cenografia no Rio?
Foi em 2016, na Universidade Veiga de Almeida. Durante a pós percebia importância da luz para um melhor resultado dos projetos e fui atrás de cursos na Funarte.Lá fiz diversos cursos de verão: iluminação, elétrica cênica, cenografia e figurino, entre outros, econheci Jorginho de Carvalho.Trabalhei com ele em alguns espetáculos como Cão Sem Plumas, deDeborah Colker, participando do processo de criação, montagem e programação. Depois trabalhei emum monólogocom a Deborah Secco chamado Uma Noite Dessas, também com iluminaçãodo Jorginho. Neste, acompanhei a turnê pelo Brasil seguindo as dicas dele. Montava, afinava e operava a luz em cada teatro que passávamos e assim fui ganhando conhecimento. A peça tinha texto e direção de Hamilton Vaz Pereira e a turnê durou um ano.
Imagino que seja difícil viajar o Brasil, com teatros em condições diferentes, nem sempre adequados...
Foi um ano em que eu ganhei muita experiência.Chegava de manhã cedo na cidade, montava, afinava, ajustava os parâmetros da programação e operava a peça a noite. Não haviamoving light no meu rider.Trabalhava com o que eles tinham no teatro e mais o que eles davam um jeito de arrumar para completar meu rider, que tinha em torno de 100 refletores.Na maioria dos teatros eu só contava com um técnico. Esse tempo trabalhando no teatro me trouxe essa preocupação com o conceito e a afinação da luz.O teatro tem uma pegada mais cuidadosa.Jorginho é uma pessoa que fica muito tempo em cada luz. Cada uma tem situação.Então, quando eu viajei, sabia que se não seguisseaquela afinação definida por elenão estaria fazendo direito.
Você conseguia viajar com algum equipamento?
Viajava com uma mesa pequena de teatro, comigo, dentro do avião, porque era a única garantia que eu tinha.A programação era muito extensa. Tudo muito marcadinho. A mesa vinha com a minha programação. Eu tinha só que ajustar os parâmetros.
Cenário durante testes e montagem
E como chegou na área de música?
Durante a turnê conheci o Césio Limapor meio de uma amiga em comum e conversamos sobre iluminação. Como a turnê estava em andamento, ele me pediu que o procurasse assim que encerrasse. Quando acabou, liguei e demonstrei meu interesse em conhecer o trabalho dele e pedi para que me encaixasse em algum paraacompanhar e aprender. Comecei a frequentar tudo o que ele fazia, ainda sem definição de cargo.Na Globo pude entrar como sua assistente e começamos uma parceria que dura até hoje. Acho que o sucesso desta parceriaaconteceu pela ligação que eu tenho com arquitetura e cenografia -o que me faz enxergar tudo aquilo que compõe a cena além da luz - e pelos 40 anos de conhecimento sobre luz e mercado do Cesio.Muitos clientesbuscam o Cesio querendo uma solução completa para um show, não só o projeto de luz.Por conta disso, fundamos a Labe – Laboratório de Entretenimento -uma empresa que entrega um compilado de projetos para o mercado do entretenimento: luz, cenografia, conteúdo de led e som, entre outros.
Quando você começou a trabalhar com o Cesio deve ter entrado em contato com equipamentos que não via antes.
Era completamente diferente. Tinha também muito pouco tempo de iluminação. O que eu conhecia eram os equipamentos mais usados no teatro. Quando comecei a trabalhar com ele fiquei muito tempo pesquisando, e ele também me ensinou muitas coisas. Quando já estávamos há um ano trabalhando juntos ele me incentivou a fazer um curso de direção de fotografia, já que trabalhávamos com audiovisual da Globo e em outros projetos como gravações de DVDs também.Foi quando comecei a entender a diferença da luz para os olhos humanos e para a Câmera. O curso, na Academia Internacional de Cinema do Rio de Janeiro, durou um ano.
Canhão de frente em Ludmilla
Como foram seus primeiros trabalhos na Labe?
Começamos com as lives em 2020, durante a pandemia. Fizemos lives do Dilsinho, da Ludmilla, da MC Rebecca, clipes para Bebel Gilberto e Mart’nália, vídeo para Tinny Desk da Bebel e assim foram aparecendo diversos outros trabalhos.Fomos aumentando a quantidade somando outros trabalhos corporativos.Fizemos também trabalhos para o Santander, Eurofarma e Americanasexecutando a iluminação, cenário e captação de vídeo.Em setembro de 2022 chegou o projeto do show da Ludmilla no Rock in Rio, onde fiquei responsável pelo desenho de luz, estrutura e montagem e transmissão.
E como foi a construção desse projeto dela?
Esse projeto chegou através da diretora criativa do show, Drica Lara, que recebeu a indicação do meu trabalho pelo produtor executivo Bruno Michel, que já havia trabalhado comigono projeto da Eurofarma. O diferencial desse projeto foitermosum conceito bem definido e uma cenografiagrandiosa.Atuei multidisciplinarmente, em três frentes distintas, orquestrando e compatibilizandoas adaptações necessárias junto as equipes e o Rock in Rio.
No Rock In Rio você ficou responsável pela interlocução com a cenografia do Festival?
Exatamente isso. Em alguns projetos eu participo da criação, mas em outros faço apenas a execução técnica. No show da Ludmilla assinei o light design e, além disso, fiquei responsável pela execução do cenário, passarela - que não havia no palco Sunset - projeto e execução do cubo de LED, sua sustentação e movimentação, além da direção técnica da luz e do LED. Todos estes itens ficaram sob responsabilidade da Labe. Sendo assim, era eu quem tratava da interlocução com o Festival. Foram muitos acertos devido ao tamanho do projeto.
Quanto tempo antes do Rock in Rio vocês começaram a planejar?
O convite chegou um mês antes do Festival.A expectativa era alta! Drica desenhou junto àLud um show para impactar o Rock in Rio.Pediu que euresolvesse toda a montagem, desenhasse a luz e dirigisse a fotografiada transmissão do Multishow. Atransmissão era um ponto muito importante, pois fazia parte de todo planejamento de marketing e mídias sociais. Meu acesso à equipe de captação de imagem facilitou a interlocução para batermos o roteiro com a emissora.Não foi só uma transmissão normal, ascâmeras estavam no lugar certo no momento certo. Me cerquei de empresas parceiras e de minha confiança como a Criativa na execução da cenografia com coordenação daMichelle Nunes, LPL na luz e cubo de LED, Sky Truss na estrutura do cubo e do grid e motores e Ledcom nos painéis extras de LED do palco, pois sabia que assim conseguiria garantir um excelente resultado no prazo existente.
Homenagem às cantoras negras
Como foi esse diálogo com a diretora sobre o roteiro do festival?
E o que você apresentou para ela?
A Drica trouxe um roteiro bem definido com atos e cores para cada momento do show. Tínhamos uma sinergia possibilitando trocas que engrandeceram o projeto. Fomos contando a jornada da Ludmilla separada em três atos, pois era o seu show comemorativo de 10 anos de carreira. A luz tinha que ajudar a contar essa história e esse era o nosso maior desafio.Para isso, foram usadas94 ribaltas no cenário e construímos um grid suspenso que pesava duas toneladas com 100 movinglights extras, além de todo o rider do festival.
O que teve que ficar diferente no grid normal do palco? Mudaram alguma coisa na montagem?
Ajustamos a altura das treliças laterais devido à altura do cenário, que tinha 2,4 metros, para ajustar o contraluz dos músicos. Além disso, conseguimos colocar,com antecedência, os pontos de ancoragem de nosso grid extra na estrutura do palco e deixá-lo suspenso acima da luz existente, sem atrapalhar as demais atrações. Movimentamos ele apenas no momento certo. Tínhamos quatro motores para este movimento. Conseguimos adiantar todo cabeamento até o grid na véspera e finalizar a montagem na madrugada anterior.
Quais exatamente eram esses equipamentos extras? E qual a função deles no espetáculo?
Trabalhamos com as ribaltas no cenário que entraram junto em nossa programação de timecode gerando uma massa de contra luz. Com isso podíamos criar desenhos efazer movimentos para acompanhar o show.Além disso usamos 100 movinglightsbeam neste grid extra para criar uma massa de luzes com movimentos ortogonais. Outra coisa interessante foi que utilizamos a tecnologiaZactrack (movings “trackeados” por chips inseridos na roupa da artista).A equipe da Zactrack nos apresentou a tecnologia, nós apostamos e a LudtopouSelecionamos dois canhões seguidores de contraluz, estes do rider do Festival, e colocamos os chips na Ludmilla. Isso foi uma novidade bem bacana. Ela colocou doischips em seu penteado e outroem um bolsinhofeito no figurino. Quando a Ludmilla caminhava e corria dentro do palcoo contraluz estava sempre nela, inclusive quando ia para a passarela à frente. Como era uma novidade no mercado e tínhamos algum receio de passarmos por algum problema, decidimos utilizar a tecnologia apenas no contraluz.
E como foi o diálogo com o pessoal dos vídeos colocados nos painéis LED durante o show?
Havia uma equipe responsável pelos vídeos, mas também trabalharam com timecode. Desta forma, na hora do show a sincronicidade foi total. Já estávamos alinhados.Durante a criação da luz recebemos os frames dos vídeos para podermos alinhar cores e momentos.
Chegaram a ter algum ensaio geral no palco?
Tivemos o “ensaio passagem de som”, mas o tempo que podíamos ficar no palco era curtoe, neste tempo, montaríamos, pela primeira vez,todoo cenário e faríamos os ajustes.Estes ensaios de festival, em sua grande maioria, acontecem durante o dia, o que não ajuda na questão de iluminação. Montamos esse cenário em pedaços.Foram cinco caminhões para trazer ele todo.Nesse dia (da passagem)subimos com tudo no palco, montamos ele todo e sentimoscomo ele ia entrar(no palco), onde ficaria armazenado, quais peças precisariam entrar primeiro e tudo para agilizar ao máximo essa movimentação. Depois destes testes voltamos com o cenário todo para dentro de um estúdio, no polo de Cine vídeo, e passamos o dia seguinte inteiro treinando e ensaiando a montagem, diversas vezes, para que no dia do show conseguíssemos fazer tudo dentro do tempo que tínhamos.No dia do show a troca de palco tem que ocorrer em60 minutos contando com a desmontagem do show anterior.Ficamos com 45 minutos.Tinha que descer a luz, montar cenário, forrar tudo, abrir a passarela, alinhar o cubo de LED... Foi uma operação de guerra!
Músicos no segundo andar do cenário
E como foi a operação do show? Vem tudo já programado e vocês mexemna sintonia fina na hora?
Exato. Como trabalhamos com timecode, ficamos atentos mais aos parâmetros desejados para o resultado da fotografia.A luz pode gerar diferentes resultados dependendo do figurino, da intensidade e cores do painel de LED, etc.Além disso tem o público, o clima e a fumaça, entre outras variáveis.Tinhamos duas mesas Grand MA3operando a luz de frente, de fotografia e o Douglas Porkott(nosso programador) operava o timecode, cuidava dos efeitos e cores. Houveoutros efeitos especiais como laser, flame, papel picado e CO2, estes operados manualmente.
Trabalhou no carnaval também? Quais são os planos daqui para frente?
Agora é continuar a crescer, adquirir cada vez mais conhecimento, fazer mais projetosao lado doCesio e de nossas equipes parceiras ampliando o alcance da Labe. Estamos nos experimentando juntos nessas coisas, na direção técnica e na criativa. Arquitetura, luz, som, técnica e execução, tudo em busca de uma experiência incrível para o entretenimento e um resultado estético diferenciado! NaSapucaí, onde executamos o projeto doCesio juntamente com a LPL,Smart Luz, LIESA e Rio Tur, de trocar toda a iluminação antiga por led, somando cores e efeitos commovinglights, participei ativamente na interlocução da LPL (empresa responsável por todo o novo sistema lá implantado) com os carnavalescos de todas as escolas e seus iluminadores buscando o melhor resultado de luz para cada desfile. Temos ainda uma grande trajetória a seguir com este projeto do carnaval também, tendo em vista que a novidade é grande para um ramo que não estava familiarizado com a nova gama possibilidades criativas criada a partir deste projeto.