Projetos de iluminação cênica compreendem distintos recursos e requisitos relacionados aos instrumentos, equipamentos, prazos, custos, detalhamento, especificação e capacitação para as diversas atribuições envolvidas da concepção e criação à montagem de uma peça, um espetáculo ou um show. Nesta conversa, será abordado um termo na língua inglesa que, mesmo não sendo originado nas práticas dos eventos artísticos e musicais, está intrinsicamente relacionado à conjuntura de profissionais que participam de todos os processos de produção, principalmente na execução dos projetos: o “workflow”.
A Iluminação Cênica, por mais que seja uma expressão precedida com artigo definido no singular, resulta em um conceito plural e coletivo. Plural também no sentido de diversificado, pois se configura em conjuntos ou agrupamentos de equipamentos, dispositivos e principalmente luminárias - com especificações e atributos que podem variar para o mesmo tipo -, estas normalmente agrupadas com instrumentos similares, mas que, no todo, projeta-se a “luz do palco” (e muitas vezes para além dele) com recursos heterogêneos e complementares (nesse contexto, outros tipos de luminárias e equipamentos de efeitos visuais).
O conceito de Iluminação Cênica também é coletivo, pois a iluminação cênica resulta em uma produção que, mesmo direcionada a um ou mais artistas e elementos cenográficos, pressupõe a somatória de contribuições de diversos profissionais, na concepção do projeto, montagem e operação (também na desmontagem, pois pode ser realizada por outras equipes). Compreende também soluções que integram as áreas do design (de iluminação; gráfico; de eventos; de interiores; de produto), da engenharia (de automação; elétrica; eletrônica; mecânica; de produto), da logística (armazenamento, transporte), entre outras.
Nesse ínterim, seja para um espetáculo isolado, seja para um megafestival, são múltiplos os profissionais envolvidos, com formações e aprendizados distintos, como também, com experiências e vivências singulares, isoladas ou conjuntas, quando compartilhadas pelos mesmos trabalhadores. Ainda, essa bagagem de vida também pode ser historicamente tão ampla que pode abarcar práticas anteriores e que atualmente são superadas - pela evolução das tecnologias preexistentes ou mesmo obsolescência programada - ou que estão em mais atual estágio de acompanhamento do desenvolvimento tecnológico. Isso, quando analisadas as equipes técnicas. Quando abrange as outras áreas, da gestão aos serviços, as possibilidades são ainda mais diversificadas.
Figura 1: Aspecto da produção da turnê “Happier Than Ever” – Billie Eilish. Fonte: Matty Vogel/Digital Media World
Assim, imagina-se que - com essas estruturas vultosas, que podem contemplar centenas de profissionais - falhas e erros sejam recorrentes e aceitáveis. Com planejamento e fiscalização, as probabilidades de equívocos e deslizes se reduzem significativamente. É nesse momento que a utilização de documentos (físicos ou digitais), aplicativos computacionais ou equipes dedicadas se tornam necessários e, em muitos casos, essenciais para que as melhores soluções sejam produzidas para problemas pontuais e eventuais ou mesmo rotineiros.
Restrições são também pensadas nessa conjuntura. Tanto para os investimentos necessários quanto para a capacidade de carga (elétrica). Muitas dessas variáveis são gerenciadas e dimensionadas com planejamento e controle. Outras são administradas a partir de dificuldades e, especificamente, os chamados “gargalos”, os quais alguns podem ser antecipados e previstos, outros totalmente imprevisíveis.
Para todos esses elementos elencados, requer-se o mapeamento do workflow – ou fluxo de trabalho, em tradução literal e adotada como termo adequado a esse cenário. Trata-se de um conceito utilizado em diversas áreas para descrever todas as tarefas com seus respectivos responsáveis e encaminhamentos, de maneira que possíveis falhas de execução sejam evitadas e que todos os processos sejam conduzidos sem o comprometimento do todo. Essa identificação de procedimentos, tarefas, responsabilidades, prazos, e inclusive pendências, pode ser organizada por meio de planilhas, cronogramas e aplicativos, utilizados como ferramentas de apoio a esse gerenciamento e tomadas de decisões.
Figura 2: Aspecto da montagem de palco integrada ao workflow. Fonte: C-Farm.org
Para produções mais simples, pode ser conduzida por um profissional ou equipe que fará o acompanhamento de todas as etapas de produção. Em eventos mais complexos, quando envolvem dezenas de equipes – muitas delas, contratadas pela primeira vez - a disponibilização de um caderno de operações pode ser um recurso importante para a identificação das normas de segurança e montagem, detalhamento técnico, organização e definição de prioridades e hierarquias, para além do “technical rider”.
Como procedimento de verificação (checagem), organização, definição e estabelecimento de prioridades, o workflow pode ser um excelente meio de condução das práticas de montagem, operação e desmontagem dos shows e espetáculos, principalmente, e como já mencionado, pela complexidade de elementos – isso, destacando apenas a iluminação cênica.
Também torna-se uma ferramenta fundamental para a compatibilização de projetos em eventos com mais de um artista ou banda com requisitos diferentes, ou seja, para integrar todas as necessidades de cada artista/banda na busca de uma estrutura única e acessível a todos os shows e que atenda a mais de uma apresentação. Em festivais, torna-se essencial. Afinal, como definir prioridades de montagem quando tudo é relevante?
Figura 3: Workflow: prioridades e hierarquias. Fonte: Mikhail Badaev/Getty Images/iStockphoto
Com isso, a enumeração (com a hierarquia e ordem numérica) das atividades pode ser uma maneira de estruturação das etapas de produção que podem ser iniciadas em fases anteriores - até mesmo na concepção de um evento, por exemplo. A vistoria de um espaço é um dos requisitos que, muitas vezes, deve ser realizada no momento inicial de decisão para a escolha de um lugar e novamente realizada na realização para que tudo funcione adequadamente.
Deve-se destacar que essa diagramação de exigências ou pedidos específicos ainda se torna mais importante quando integrada com outros projetos de cenografia, sonorização, elementos de vídeo e transmissão com configurações com múltiplas câmeras – aliás, muitas vezes o workflow é apenas associado ao mapeamento de imagens captadas e geradas. Nisso, essa compatibilização de projetos se justifica principalmente pois, sendo o tempo uma variável incontrolável (a cronologia dos fatos e ações é gerenciável, mas o tempo se torna incapaz de ser modificado ou transformado), todo e qualquer atraso pode impactar decisivamente nas diversas atividades em todas as etapas de um evento – montagem, realização e desmontagem.
Mesmo que outro nome ou outro termo que já seja utilizado – ou mesmo sem nome algum – a existência de um mapeamento conhecido e identificado por todos os envolvidos se torna um meio eficaz de dirigir as equipes e as tarefas sem atropelos ou conflitos.
Figura 4: Workflow: organização e prioridades. Fonte: Creative Cow
Tornar um workflow acessível também a todos os líderes de equipes é fundamental para o êxito nas diversas práticas de execução e entrega, desde a descarga e organização dos materiais e equipamentos, até para a previsão de alternativas nos momentos mais cruciais de um evento em sua realização.
Naturalmente, na prática, por experiências anteriormente vivenciadas, a excessiva rigidez nunca é benéfica, sendo necessária, também, a flexibilização para prazos e condições, principalmente para os gargalos mais frequentes, quando possível e cabível. Assim, em muitos casos, deve-se considerar períodos maiores para cada atividade, dentro do bom senso e coerência, dentro dos orçamentos e condições de negociação e diálogo.
Finalmente, todo modo de operação se torna único, uma vez que os eventos são singulares, e, muitas vezes, apresentam problemas e situações muito diferentes entre si. Se o workflow adotado não atende às particularidades de um determinado evento, deve obrigatoriamente ser revisto e atualizado – objetivamente, deve sempre acrescentar; nunca ser um empecilho.
Figura 5: Workflow: montagem e verificação. Fonte: LS Company.
A busca de nomenclaturas ou terminologias comuns e mais simples também ajuda muito, principalmente pelas condições já citadas e relacionadas ao universo de profissionais, com histórias de vida muito diferentes entre si. Falhas de comunicação são mais recorrentes pela falta de entendimento ou incompreensão para um determinado requisito. Nisso, simplificar, tornar-se claro pode contribuir muito com o sucesso de um projeto.
Registrar tudo também é uma forma de estabelecer melhores práticas para o aprimoramento contínuo e para as garantias necessárias ao melhor funcionamento dos processos e para o atendimento de todas as necessidades, satisfatoriamente.