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REPORTAGENS / Colunas

Som nas Igrejas: mais sobre referência

13/03/2023 - 16:32h
Atualizado em 13/03/2023 - 16:32h


 

Nas últimas oportunidades nesta coluna, estamos considerando a importância da equalização no processo de mixar o som ao vivo. Comentei a importância de se ter fones de qualidade “referência” para trabalhar com a segurança de tomar decisões de equalização em cima de uma característica que realmente existe na voz ou instrumento, e não tentar corrigir uma coloração que não existe, na realidade, sendo apenas apresentada por fones de resposta não honesta ou não linear.

 

Vimos que, além do termo “referência” ser usado para fones, as correções que entenderemos ser necessárias ao equalizar dependem da nossa referência pessoal. Citei isto no início do nosso último artigo, mas, então, parti para outras considerações relativas à mixagem. Por isto, eu quero voltar ao tema para resumir antes de aprofundar o que vimos sobre equalização nas três oportunidades anteriores.

 

É importante se criar uma memória ou referência auditiva, que mencionei, composta pela sonoridade dos diferentes tipos de instrumentos. Isto porque se você precisar trabalhar com situações fora do ideal, algo que não é difícil acontecer, você terá um alvo para buscar, aproximando a sonoridade das fontes sonoras não ideais daquilo que as pessoas esperam ouvir.  Tenha claro em sua mente o que é um boa sonoridade de violão, de baixo, de guitarra etc. Como vimos pelo exemplo da linda peça BWV 1007 Cello Prelude, de Bach na nossa última oportunidade, o som irá variar de um instrumento a outro, mas é preciso se saber como fazer o som de um violoncelo chegar sem parecer som de violino, por exemplo.

 

Também é preciso se ter uma referência artística ou de estilos musicais. Quando mixamos, somos nós que conduzimos a linguagem dos músicos para os ouvintes, para ser fiéis ao gênero musical e à proposta dos músicos, precisamos formar a nossa referência em cima da qual tomaremos as decisões de mixagem que permitirão aos ouvintes ouvir sem “distorção” a mensagem expressada pela linguagem musical da banda. Podemos comparar isto com um intérprete de idiomas. Para interpretar bem uma palestra, é preciso conhecer tanto o vocabulário do tema, quanto saber a mensagem que o palestrante deseja comunicar e assim o intérprete se torna um “canal” para que a mensagem passe por ele e chegue sem “distorção” aos ouvintes.

 

Antes de os engenheiros de primeira linha que conheço começarem a conversar com uma banda que está interessada em contratá-los, eles passam horas estudando os álbuns desta banda e de músicos que sabem ser referência para a banda. Eles fazem tudo isto para entender a linguagem da banda e aquilo que ela deseja passar para as plateias que pagam para ouvi-las. Estou falando de profissionais que já possuem décadas de experiência mixando bandas e cantores de renome internacional! Não imagine que eles pensem que não precisam se dedicar a conhecer os detalhes de um novo cliente porque conhecem o suficiente de som e música. Novamente, a humildade é essencial para a qualidade do nosso trabalho.

 

Em terceiro lugar, mas não menos importante, é preciso ter uma referência técnica para saber tirar dos equipamentos aquilo que a sua referência auditiva pede e a referência artística demanda para haver coerência no som que produzimos. Imagine alguém que só curte rock e nunca desenvolveu outras referências artísticas ou auditivas na situação de precisar mixar música jazz ou música orquestrada. Faz alguns anos, me disseram que quem faria o louvor num congresso que eu iria sonorizar seria uma banda de pagode. Assim que fiquei sabendo, eu fui pesquisar, escutar gravações e consultar engenheiros amigos sobre a microfonação dos instrumentos usados. E quando fui microfonar os instrumentos no primeiro dia, além de passar um tempinho escutando o som acústico de cada instrumento que iria microfonar, confirmei com o músico se era comum captarem o seu instrumento da forma que eu estava fazendo. Como já disse, é essencial termos a humildade no trabalho com o som.

 

Então, na base de tudo que você fará como técnico ou engenheiro de som, estão as suas referências. Faz algumas décadas nos Estados Unidos era comum se ouvir uma expressão na área da informática. Ela dizia que se um computador for mal programado, os resultados que ele produzir só podem ser ruins. Ela era abreviada pela sigla GIGO (Garbage In, Garbage Out) e sucintamente significa “entra lixo, sai lixo”. Isto aponta para a importância de cuidarmos dos nossos estudos e referências, pois é sobre estes que construiremos o nosso trabalho e a nossa reputação.

 

Como tenho dito ao longo desses textos, a imensa quantidade de informações disponibilizada na internet faz com que nunca tenha sido tão fácil se adquirir informação e conhecimento desde que se saiba filtrar o conteúdo e procurar as melhores fontes dele. De certa forma, para construir a sua referência é preciso que você tenha uma referência para saber fazer esta filtragem. Não quero lhe deixar frustrado, pois isto acaba se parecendo com a situação em que alguém não consegue emprego, por não ter experiência, e não consegue experiência, por nunca ter trabalhado. Felizmente, a maioria dos profissionais nesta nossa área do áudio reconhece a importância da humildade, e por ter sido auxiliado no início da sua carreira, sendo orientado por quem conhecia mais, se dispõe a auxiliar orientando àqueles que se mostram sérios em querer aprofundar o seu conhecimento. Por isto, busque se aproximar de alguém que é reconhecido por seu bom trabalho e não tenha vergonha de perguntar para iniciar a formação da sua referência. Como diz o mestre Pat Brown, a pergunta mais burra é aquela que não fazemos, pois nunca saberemos a resposta dela.

 

Assim, temos necessidade de procurar desenvolver ativamente a nossa fundamentação técnica, auditiva e artística. Há quem apenas se preocupe com o aspecto dos equipamentos, mas estes não fazem milagres. Apesar de nunca na história termos podido contar com tantos recursos, os equipamentos no som ao vivo são apenas ferramentas. e para poder tirar o máximo de proveito destas ferramentas, precisamos dominar a técnica, no sentido da operação dos equipamentos, e no aspecto mais amplo de conhecer as técnicas de mixagem que envolve dominar os conceitos artísticos das linguagens dos diferentes gêneros musicais e termos uma sólida fundamentação auditiva em cima da qual tomarmos as decisões necessárias na rotina da mixagem. O caminho para desenvolver esta fundamentação passa, então, pelas nossas referências técnica, auditiva e artística. E quanto maior o nosso conhecimento e habilidade em cada uma destas referências, maior será a qualidade do nosso trabalho.

 

Dentro do tema da equalização, não basta apenas saber como usar os recursos oferecidos pela console para equalizar. É preciso ter ouvido para discernir se é preciso fazer alguma coisa e se for, o que é que precisamos fazer. Isto tem início com a nossa referência auditiva do som da voz ou instrumento, passa pelo tipo de microfone e o posicionamento dado a ele na microfonação, pela deficiência sonora que precisa ser corrigida e, por fim, pela linguagem artística da banda em que pode ser até desejável uma equalização radical que descaracterize totalmente o som natural do instrumento ou da voz. E tudo isto precisa estar fundamentado no conhecimento das frequências, que nos permitirá saber em que parte do espectro sonoro atenuaremos ou reforçaremos as características do instrumento ou voz até chegar no objetivo desejado, ou o mais próximo dele que as circunstâncias permitirem.

 

 

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