Anuncio topo
REPORTAGENS / Colunas

Som nas igrejas: filtros de equalização

21/06/2023 - 17:37h
Atualizado em 21/06/2023 - 17:37h

 

Vamos supor que você esteja lendo este artigo tomando um café quentinho e saboroso. Para que esta sua bebida ficasse pronta, foi necessário, entre outras coisas, separar o líquido que você deseja tomar do pó de café que confere o sabor a água, mas que ninguém deseja tomar.  Esta importante função é realizada pelo filtro. Antigamente, eram usados filtros de pano que precisavam ser lavados, mais recentemente, predominam os descartáveis de papel, os das cápsulas e nas máquinas de café expresso os reutilizáveis de inox. Embora a sua forma possa variar, a funcionalidade dos filtros é praticamente a mesma. Separar algo que desejamos usar daquilo que não queremos.

 

Os filtros usados no áudio também têm esta característica. Eles nos permitem selecionar frequências para podermos tratá-las de forma mais, ou menos, isolada, conforme a nossa preferência ou necessidade. A partir do interesse por  trabalhar com mais ou menos frequências, podemos optar pelos diferentes tipos de filtro encontrados nas mesas e consoles. Obviamente, as mesas mais econômicas e as analógicas terão filtros mais simples e as consoles digitais oferecerão maiores opções.

 

O primeiro tipo de filtro, encontrado nos mixers e mesas de som mais econômicas é o que nos oferece menos recursos, é o filtro PEAK de frequência fixa. Seu nome relembra o pico de uma montanha que se assemelha à sua curva de atuação. Ele atenua ou reforça as frequências em torno da frequência central determinada pelo fabricante. Ele não é muito interessante para preservar a fidelidade do som original, porque o problema em que desejamos trabalhar muito provavelmente não coincide com a frequência escolhida pelo fabricante e, mesmo que tivéssemos a sorte de ele coincidir, ao ajustar o sinal, acabamos arrastando muitas outras  frequências vizinhas para cima ou para baixo com ela. Este é um filtro largo e simples. Embora seja melhor do que não ter uma possibilidade de equalizar, ele sacrifica muito do sinal quando estamos cortando frequências para controlar uma microfonia numa frequência que não é a determinada no filtro.

 

O segundo tipo de filtro é aquele em que apenas determinamos a partir de qual frequência iremos reforçar ou atenuar o sinal. Ele é conhecido por Shelf ou Shelving que vem da palavra prateleira em inglês que ilustra a sua atuação bastante larga em todas as frequências acima ou abaixo de uma frequência. Esta sua característica faz com que este tipo de filtro seja usado nas extremidade superiores e inferiores do espectro para trabalharmos com todas as frequências acima ou abaixo da frequência escolhida.

 

No gráfico de cima na ilustração abaixo, vemos um exemplo do filtro Shelf reforçando em 10 dB todas as frequências abaixo de 100Hz isto poderia ser aplicado por quem quer reforçar todos os graves, embora 10 dB em todos os graves é um reforço que vai exigir esforço do amplificador e pode até danificar sistemas de som não profissionais, portanto não faça isto se não tiver certeza de que o seu sistema suporte com margem de segurança este reforço, Ok? Aqui eu usei 10 dB de reforço apenas para conseguir uma rampa com inclinação suficiente para permitir que o traço vertical do gráfico logarítmico identificasse a frequência  de 100 Hz em que está o círculo do filtro número 1. No gráfico inferior da ilustração temos outro filtro shelving atenuando todos os agudos acima de 4kHz, uma aplicação coerente com instrumentos de baixo nível de saída que requerem aumentar muito o ganho, trazendo uma quantidade preocupante de chiado. Neste caso, o Shelf é perfeito para ajudar a cortar o chiado, basta encontrar a frequência da nota mais aguda que o instrumento produz e atenuar acima dela. Mesmo que se perca um pouco das notas mais elevadas é preferível sacrificar algumas das notas agudas de um instrumento para preservar a qualidade da mix livre de um chiado contínuo.  

 

 

 

 

 

Cortes deste tipo shelving ou seus parentes High Pass e Low Pass, que veremos a seguir podem e devem sempre ser usados para otimizar a mix poupando o sistema de precisar amplificar sinais não musicais nas extremidades do espectro. Encontramos a faixa útil de sons de cada canal e aplicamos os filtros Shelf em corte para limpar o que não interessa. Os ouvidos e amplificadores agradecerão.

Outro aspecto dos filtros é que a sua atuação normalmente não atuará apenas a partir da frequência que desejamos. Na verdade, na natureza também não existem quedas ou interrupções imediatas de uma frequência, inclusive, por elas se propagarem pelo meio viscoso do ar em que apresentam um comportamento elástico ou mais flexível que o de um corte súbito. No caso dos filtros Shelf, ao invés de uma quebra em ângulo reto, o comportamento da sua extremidade interna, mais próxima ao centro do espectro, se assemelha àquelas prateleiras de design moderno como vemos na ilustração abaixo. 

 

 

 

 

 

 

Quanto mais forte atenuarmos ou reforçarmos o sinal, tão menos preciso o filtro será. Na ilustração abaixo, vemos que o filtro 1 aplicado em 100Hz afeta um pouco as frequências até 250Hz quando se reforça 5dB, com um reforço de 10 dB ele afeta até 300Hz e reforçando 15 a sua influência chega até os 400Hz.

 

 

 

 

 

 

Existe outro tipo de filtro, semelhante ao Shelf, comumente encontrado nas consoles. Nas mesas e mixers analógicos mais simples ele vem na forma de um botão que pode ser ativado para cortar as baixas frequências, abaixo de uma frequência grave determinada pelo fabricante, numa região com pouco ou nenhum conteúdo musical em que acabariam sujando ou embolando o som, como, por exemplo, o som do ar soprado por um vocalista. ou o ruído transmitido pelas vibrações do piso do palco aos microfones em pedestais.

 

Mesmo nas consoles digitais, que nos permitem escolher a frequência de corte, este filtro é mais simples que os do tipo Shelf, pois ele não oferece ajuste de ganho. Ele apenas corta todas as frequências abaixo da que nós determinamos. Isto no caso do High Pass Filter, que atua cortando as frequências graves e deixando passar as frequências acima do ponto determinado (daí o nome High Pass ou Filtro Passa Altas). Na outra extremidade do espectro, podemos encontrar o Low Pass Filter, Filtro Passa Baixas, que corta as frequências acima do ponto que determinamos. Apesar de ser um filtro simples, quando uma console digital nos oferece estes filtros nas extremidades do espectro, aliados à possibilidade de converter os filtros Shelf nas extremidades a filtros paramétricos, o resultado é muito bacana, pois, na prática, ganhamos dois filtros. Usamos os filtros passa altas e passa baixas para limpar as frequências inúteis acima e abaixo do som útil da voz ou instrumento e temos ainda todos os outros filtros do canal para corrigir ou realçar frequências do nosso interesse.

 

Na ilustração abaixo, com ambos o filtro passa altas e o filtro 1 ajustados em 100 Hz, podemos ver a diferença entre a inclinação mais acentuada do High Pass Filter (filtro passa altas) do filtros e a curva mais suave do filtro 1. O gráfico também nos indica que com um corte de 10 dB, o filtro 1 acaba afetando frequencias até os 300 Hz enquanto o HPF apenas até 200 Hz. Também vemos que o HPF tem sempre corte máximo, enquanto no caso apliquei o filtro 1 com 10 dB de corte. Não vou dizer nunca, porque no áudio não é bom se dizer que nunca se fará ou deixará de fazer algo, mas esta sobreposição dos dois filtros só seria usada para corte de ruídos em casos extremos. Aqui eu a apresentei mais como recurso de ilustrar a diferença de inclinação nas rampas dos dois tipos de filtro.

 

 

 

 

 

 

As coisas começam a ficar mais interessantes em termos de qualidade, por termos mais recursos de controle efetivo, nas mesas e mixers analógicos que nos oferecem a equalização semiparamétrica (quase paramétrica).  Neste tipo de equalização, existe um controle que nos permite selecionar a frequência que queremos trabalhar.  Imagine que fosse um filtro Peak com frequência selecionável, porém mais estreita que o Peak. Assim, chegamos mais perto da frequência que nos causa problemas, embora ainda acabemos arrastando um tanto de frequências vizinhas junto com a frequência que escolhemos, porque temos apenas dois ajustes: a frequência central do filtro e o ganho em que atenuaremos ou reforçaremos o sinal.

 

Por fim, chegamos ao tipo mais oferecido nas consoles digitais: a equalização paramétrica. Como o seu nome nos indica, ela é semelhante à semiparamétrica mas ela nos oferece uma terceira possibilidade de ajuste chamada de “Q”. E é este “Q” do filtro que nos permite ter maior precisão no ajuste, pois agora, além de selecionar a frequência, como fazíamos no semiparamétrico, neste controle “Q” ajustamos a largura do filtro. Ou seja, conseguimos atuar “cirurgicamente”, usando um filtro bem estreito, de “Q” elevado, para apenas tirar uma frequência de microfonia ou um filtro com uma oitava ou mais de largura para reforçar suavemente uma porção do som que está mais fraca na voz ou instrumento. Assim, finalmente podemos ajustar apenas as frequências do nosso interesse, sem arrastar frequências vizinhas “inocentes“ com elas, o que preserva mais o som original da voz ou instrumento.

 

Na ilustração abaixo, vemos o filtro 2 com Q elevado (filtro estreito) cortando, talvez, uma ressonância em 350 Hz e  o filtro 3 com Q baixo (filtro largo) fazendo um reforço suave de 3 dB, talvez de inteligibilidade, em 2 kHz

 

 

 

 

 

 

É devido a esta flexibilidade e precisão no ajuste que as consoles digitais oferecem este tipo de filtro, tipicamente aliado aos do tipo Shelf nas extremidades. Algumas oferecem a opção de escolher entre Shelf e Paramétrica nas extremidades para, novamente permitir pelo uso da paramétrica poupar frequências inocentes, que seríamos obrigados a alterar se tivéssemos apenas o Shelf.

 

Existem algumas consoles digitais e plugins que oferecem tipos de filtros, menos precisos embasando-os em circuitos modelados da sonoridade de mesas analógicas clássicas por conferirem uma coloração artística ao sinal. Mas este é um recurso de mesas mais high-end e que no dia a dia do som de igrejas, com as acústicas não tratadas em que muitos trabalhamos, muito provavelmente não justificaria o custo, ainda mais se a console tiver como acessar plugins em rede permitindo todo um universo de ajustes sem precisar subir tanto o preço da console.

 

Nas considerações acima, mencionei o recurso desejável de preservar frequências inocentes. Mas não podemos deixar de considerar que, assim como na curva inicial do filtro Shelf, que acaba afetando frequências inocentes, até mesmo os filtros paramétricos podem influenciar frequências próximas, especialmente quando usamos filtros vizinhos e quando usamos estes filtros para cortes profundos ou reforços fortes. Também vale lembrar que as curvas que as consoles digitais nos oferecem nos gráficos de equalização são apenas um apoio visual para confirmar o que estamos fazendo, mas a referência que vale, acima de tudo, é aquilo que os nossos ouvidos nos transmitem, até porque, após equalizado no canal, o sinal ainda passará por outros equipamentos e será projetado no ambiente pelas caixas de som que provavelmente não têm resposta linear.

 

Realmente a evolução da tecnologia nos oferece recursos para uma flexibilidade muito maior que no passado, quando as mesas analógicas e mixers nos ofereciam apenas um ajuste grave e agudo de frequências fixas e um botão para ativar o Filtro Passa Altas. Mas cabe uma observação importante. Considerações artísticas extremas à parte, se buscamos reproduzir com fidelidade o som de uma voz ou instrumento, devemos usar os filtros da equalização como temperos. Quando os ingredientes de uma receita são de boa qualidade, não é preciso e nem desejável usar uma quantidade elevada de temperos para que o bom sabor dos ingredientes seja perceptível. O sal, por exemplo, realça o sabor, mas exagerar na quantidade dele estragará o alimento que se prepara. Vale o mesmo para a equalização. Não é porque as consoles nos oferecem meia dúzia de filtros que precisamos usar todos. Use o que for necessário e deixe que a qualidade em que o músico investiu ou desenvolveu chegue aos ouvintes.

 

Se estes conceitos forem novos para você, quando tiver um tempo mais  tranquilo, passe uma xícara bem servida de café, num filtro apropriado, e releia este material imaginando as aplicações em que você daria preferência a cada tipo de filtro.

 

Até a próxima!

 

 

  • COMPARTILHE
voltar

COMENTÁRIOS

Nenhum cadastrado no momento

DEIXE SEU COMENTÁRIO

Escreva sua opinião abaixo*