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REPORTAGENS / Colunas

Som nas Igrejas: compressão (gates)

05/12/2023 - 00:25h
Atualizado em 05/12/2023 - 00:25h


 

Dinâmica 4

 

Depois de dedicar três colunas ao tema da compressão, vamos agora para outro dispositivo de controle da dinâmica do som conhecido como Noise Gate ou simplesmente Gate. O termo Gate do inglês é traduzido como portão no português, portanto, um portão que se fecha automaticamente zerando ou atenuando substancialmente ruídos que não desejamos na mix. Como muitos portões não tem uma superfície continua, faz mais sentido imaginar uma porta. E esta porta se fecha atenuando o som conforme os parâmetros que determinamos. Assim como comentado em coluna anterior, a automação vem, novamente, a nos ajudar de forma muito bacana ajudando a melhorar a qualidade da nossa mix sem que precisemos ficar com a mão no fader de um canal o tempo todo para fazermos um único ajuste.

 

Enquanto o compressor atuava a partir do crescer de energia de um sinal, o Gate trabalha na direção oposta, ou seja, quando a energia do sinal decai em um canal. No compressor, ajustamos o limiar para atuar assim que o sinal passar acima dele. Agora, no Gate, ajustaremos o Threshold para o Gate atuar quando o nível de sinal cair abaixo desse limiar. Em termos gerais, um compressor atua nos ajudando a limitar os picos de sinais. Já no Gate, a função é nos vales, fechando o som de um canal quando o sinal cair abaixo do limiar que determinamos. Podemos pensar que ele atua de forma semelhante à nossa mão quando zeramos o fader de um canal porque a voz o instrumento deixou de nos enviar um sinal útil e não queremos a nossa mix prejudicada por ruídos, ambiência ou captação redundante de outras fontes sonoras já captadas. A vantagem do Gate é que assim como o compressor, depois de ajustado, ele realiza essa função automaticamente, sem precisarmos prestar atenção a esta questão no canal. Quando temos uma mix com vinte a trinta e tantos canais, fica fácil se entender o valor dessa ferramenta.

 

Nas consoles digitais, os ruídos presentes em canais sem sinal são cada vez mais baixos. Em muitos casos, nem vamos conseguir perceber a atuação de um Gate pelas caixas do PA, nos ambientes em que a congregação já chegou. Mas nesses tempos de proliferação da transmissão de Lives por streaming, em que pessoas podem acompanhar a nossa mix com fones de ouvido, a atuação de um Gate fechando chiados ou zumbidos de fundo, que se somam em momentos que diversos instrumentos param de tocar, passa a ser bastante interessante.

 

Outra aplicação interessante do Gate é auxiliar a evitar os cancelamentos e somas de frequências por interferência quando temos múltiplos microfones em proximidade uns dos outros, como no caso da bateria. Nessa aplicação, ajustamos o Gate para se abrir quando recebe o sinal do componente da bateria microfonado no seu canal, e se fechar logo a seguir. Como não vivemos em um mundo perfeito, é possível que o microfone de uma peça da bateria ainda acabe captando um tanto do som da peça vizinha, simplesmente por precisarmos deixar esse Gate aberto para não cortar o final do envelope da pele do tom, por exemplo. A pele de um tom pode ainda estar ressonando quando a baqueta bater na pele do tom vizinho, ou o som do bumbo pode ainda estar ressonando enquanto o baterista bate no chimbal, abrindo o gate do chimbal que captará o som do bumbo. Nesses casos o Gate sozinho não é a solução única, é preciso trabalhar com a equalização para auxiliar a filtrar as frequências indesejáveis das outras peças dos sinais que queremos captar naquele microfone e canal. Alguns gates oferecem entradas Key (ou Sidechain) em que podemos alimentar um sinal equalizado para que o Gate apenas atue ao receber esse sinal. Pensando na situação da bateria no ambiente de culto, em que o som acústico da bateria pode ser ouvido sem amplificação, essa captação de outras peças por um Gate aberto pode também não vir a ser tão perceptível no PA quanto será para quem escuta remotamente a transmissão da Live.

 

Será, então, que existe alguma aplicação do Gate em que ele nos auxilia a melhorar o som ouvido pelo PA no ambiente do culto? Existe sim. Pense no caso de um instrumento que envia um nível de ruído junto com o seu sinal e que, quando para de tocar, permanece apenas o ruído. Isso pode acontecer com instrumentos como a guitarra ou baixo conectados em linha, e nem sempre desativar o aterramento no Direct box resolve. As vezes o ruído que desejamos eliminar vem dos próprios pedais da guitarra ou pode vir do amplificador captado por microfone. Aqui a atuação do Gate será mais facilmente percebida no PA.

 

Imagine o momento em que a banda toda parar de tocar no meio de uma música para se ouvir apenas a palavra do líder de louvor acompanhado, talvez, por um suave fundo de teclado. Os momentos como esse, em que a nossa atenção é direcionada a focar em algum valor que o líder quer destacar, não devem ser prejudicados por ruídos audíveis junto com a voz dele no PA ou transmissão. O Gate é um poderoso aliado nessa situação.

 

Ainda outro momento em que o Gate útil e quando os backing vocals deixam de cantar. De repente os microfones de todos eles deixam de receber o sinal mais forte das suas vozes, podendo captar reflexões e ruídos ambientes no palco. Neste caso, o som de instrumentos acústicos sendo captados defasados pelos microfones dos backs é considerado um ruído. Isso é porque, ao chegar com o atraso que o som levou para chegar nesses microfones em relação ao som já captado diretamente pelo microfone do instrumento e ser somado com ele, a defasagem resultará em interferência que pode reforçar ou cancelar frequências do instrumento, prejudicando a sua qualidade tonal.  Além de ajudar a limpar o som, usar um Gate para fechar esses múltiplos microfones contribui em reduzir o número de microfones simultaneamente abertos, permitindo a alcançar uma pressão sonora maior com menos chances de microfonia.

 

Vamos dar uma olhada nos controles que temos nos Gates.

 

Primeiramente, vale ressaltar que embora tenhamos controles como os nomes Attack e Release nos compressores, a sua função nos Gates é diferente e a sua sequência de atuação é invertida. No compressor, o Attack vem no início sendo o tempo para o compressor começar a atuar. Já no Gate, o Attack vem no final do processo controlando o tempo que o Gate leva para se abrir depois que o sinal voltou acima do limiar. No compressor o Release vem no final do processo determinando o tempo com que o compressor deixa de comprimir enquanto no Gateo Release determina a velocidade com que o som se fecha após o sinal cair abaixo do limiar. Fique atento a essa inversão.

 

Como nos compressores, o Threshold é o limiar que ajustamos para determinar a partir de que nível de sinal o Gate atuará. Só lembrando que diferente do compressor que atua acima do Threshold, no Gate a atuação se inicia abaixo dele.

 

O Release se refere ao tempo que o Gate levará para se fechar depois que o sinal passar abaixo do limiar. Quando nos interessar, podemos determinar que o Release só se inicie após um período que determinarmos no Hold (ou Delay).

 

No Hold determinamos esse tempo que o Gate ficará aberto após o sinal cair abaixo do limiar. Isto serve para evitar que o Gate comece a fechar em breves intervalos entre notas ou palavras. O Hold também é útil para evitar uma situação chamada de “chatter”.  O chatter ocorre quando um sinal fica oscilando rapidamente logo acima e abaixo do limiar, fazendo o gate se abrir e fechar múltiplas vezes em um intervalo mínimo de tempo e isto pode gerar um som estranho. Aplicando o Hold, mesmo que o nível cair abaixo do limiar e voltar rapidamente, o Gate permanecerá aberto pelo tempo que determinamos no Hold, impedindo que este problema ocorra.

 

O Attack é o tempo que o Gate leva para se abrir totalmente. É preciso atenção ao ajustá-lo com sons percussivos, pois se for muito lento, perde-se o transiente inicial do som. Por outro lado, ataques muito rápidos produzem um estalo (algo que pode até ser usado como elemento artístico dando mais brilho ao som de um kick, por exemplo).

 

Nos Gates não temos uma taxa ou razão de atuação como nos compressores, mas quem ajusta a atenuação que o Gate aplicará é o controle de Range (ou Depth ou Floor).

 

 

 

 

Se imaginarmos o Gate como a porta que mencionei no início, o controle de Range tem a função de determinar o isolamento oferecido pela porta. Quanto menor o range, menos densa será a porta deixando mais sinal passar quando estiver fechada. Quanto mais elevado o valor do Range, mais espessa a porta, atenuando mais o sinal para que menos dele consiga passar. Daí, podemos imaginar que a nossa porta no Gate pode variar desde uma porta oca apenas folheada de madeira de até o isolamento total oferecido pela porta de um cofre de banco ou abrigo nuclear. Na ilustração acima, Vemos que o Range Moderado deixa um pouco do envelope perceptível abaixo do limiar. Já no Range Elevado não temos percepção alguma do envelope sonoro porque ele foi totalmente atenuado.

 

Na prática, um Range baixo pode ser interessante para deixar passar um pouco da ambiência natural de alguns microfones, ao invés de ficar um silêncio total na transmissão se o Gate se fechar com um Range alto. Isso faz sentido quando lembramos que no ambiente acústico natural existe uma continuidade sonora por um tempo e, dependendo da aplicação a mix pode não soar natural se o som foi reduzido a nada deixando somente silêncio. Uma aplicação prática desse conceito pode ser no microfone do pastor para quem escuta remotamente. No ambiente do salão de culto existem ruídos contínuos como os do ar-condicionado, o barulho de movimento da congregação, entre outros. O microfone do pastor é o único microfone aberto numa porção significante do culto. Se ajustarmos o seu Gate com Range elevado, mesmo que deixarmos um ataque lento, de alguns segundos, quem ouve remotamente terá uma sensação esquisita se o pastor deixar de falar, por alguns segundos (como quando procura um texto na Bíblia) e o Gate se fechar totalmente, deixando o silêncio total ao eliminar os sons da ambiência no salão de culto. Para evitar esse silêncio “pesado” é melhor deixar um ajuste mais leve no Range, para que o Gate apenas atenue a ambiência sem eliminá-la completamente. Assim, permitimos uma sensação mais natural da continuidade sonora no ambiente de culto.

 

Mencionei que o Gate pode contribuir em reduzir a possibilidade de microfonia, mas é preciso se entender que essa redução é um efeito secundário e que precisa ser implantado com cuidado. Novamente, como se trata de um ajuste de dinâmica, o Gate deve ser ajustado por último, depois que a estrutura de ganho estiver praticamente definida. Também é muito importante que o sistema já esteja estável, sem microfonia, quando todos os microfones que serão usados simultaneamente estiverem abertos. Assim entende-se que o Gate pode ser um coadjuvante em evitar microfonia, mas não nunca usado como a ferramenta principal para evitá-la. Esse cuidado é essencial, porque se você depender do Gate para fechar microfones e não ocorrer microfonia, o que pode acontecer é que se houver um som suficientemente alto no palco, capaz de abrir simultaneamente o Gate de múltiplos microfones num sistema que não estava estável antes de aplicar os Gates, essa abertura simultânea de múltiplos microfones deixará o sistema ainda mais propenso à microfonia podendo, além de gerar um ruído terrível, danificar o sistema de som e os ouvidos das pessoas.

 

Então, de novo, um Gate não deve ser usado como recurso único contra a microfonia em um sistema que não estava estável antes da sua aplicação. Também vale reforçar a importância de ajustar o Gate após a estrutura de ganho estar bem definida. Porque, se ele foi ajustado quando o ganho estava muito baixo, e o ganho for corrigido e aumentado depois, esse aumento do ganho pode deixar o nível de ruído acima do limiar que havia sido inicialmente ajustado. Assim o Gate permanecerá aberto o tempo todo, deixando passar o ruído que deveria eliminar. Por outro lado, se o Gate foi ajustado com ganho muito alto, depois que o ganho for corrigido e reduzido, o Gate pode acabar cortando o final do envelope sonoro do instrumento, em que tipicamente o nível de sinal é mais baixo, devido ao limiar do Gate ter sido inicialmente ajustado para um nível mais elevado. Então, o limiar estará alto demais e o sinal do instrumento cairá abaixo dele enquanto ainda houver informação musical que não interessa cortar.

 

Como costumo dizer, a qualidade se revela através de detalhes. Detalhes, muitas vezes, podem não ser individualmente perceptíveis, mas quando se somam, a sua influência impacta a sonoridade final. Uma das características que definem um som de qualidade é a clareza ou nitidez do som. Ela nos permite ouvir bem o som das vozes e instrumentos, apenas daquilo que desejamos, sem concorrência ou interferência de sons que não agregam valor à mix.  E assim, o Gate é uma ferramenta que, quando bem ajustada, pode agregar esse valor, especialmente na gravação e para quem ouve remotamente, mas também, cortando os ruídos que causariam distração nos momentos mais silenciosos no ambiente de culto. Assim como nos compressores, é preciso pôr a mão na massa. Consiga uma gravação de vozes e instrumentos solo e vá fazendo ajustes para se familiarizar com a atuação dos controles do seu Gate.

 

Até a próxima!

 

 

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