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REPORTAGENS / Colunas

Iluminação Cênica sem restrições: Men at Work em Curitiba

13/03/2024 - 19:29h
Atualizado em 13/03/2024 - 19:32h


 

O movimento musical conhecido como New Wave potencializou aspectos visuais e sonoros que deixaram marcas definitivas no início da década de 1980. Ao mesmo tempo, transformações tecnológicas ocorriam no âmbito da iluminação cênica, que impactaram na constituição e no estabelecimento de estéticas associadas a bandas e artistas que se perpetuam de maneira nostálgica e são retomadas nos espetáculos da atualidade. Nesta conversa, alguns desses elementos serão contextualizados com o show da banda australiana Men At Work, realizado em Curitiba em fevereiro deste ano.

 

Aproveitando um questionamento da conversa anterior (centrada no show da banda inglesa The Cure), as tentativas de descrição da década de 1980, mesmo com um recorte artístico e específico na música pop, podem ser tarefas complexas. Isto  pelas diversificadas variáveis e abordagens cabíveis. Com liberdade poética, uma abordagem poderia ser descrita a partir de “texturas musicais” que aproximam estilos, bandas, artistas e estéticas. Naturalmente, o contexto de textura não se aplica exclusivamente à materialidade; trata-se de um conjunto de sensações e experiências que proporcionam, para quem vivenciou aquele período, inúmeras lembranças, significativa nostalgia.

 

No campo da visualidade, foi o decênio marcado pela explosão dos videoclipes – já existentes nas décadas anteriores, mas consolidados com o surgimento de programas e canais dedicados parcial ou totalmente a essas produções -, registros fundamentais para o estabelecimento das imagens, referências, conexões e aproximações dos fãs com novas percepções de moda, design, comportamento, identidade cultural, grupos sociais, e, com ressalvas, novas ideologias. Também, pelas transformações tecnológicas no âmbito da iluminação cênica que culminaram nos Moving Heads, significativos paradigmas no desenvolvimento de projetos dos shows, desde então.

 

Essas combinações entre as sonoridades e as linguagens visuais daquela época estabeleceram associações, referências e influências que se mantém até a atualidade. São inúmeros os exemplos; especificamente nessa conversa, será apenas destacada a banda australiana Men At Work, que neste ano fez sua quarta turnê no Brasil e a segunda vinda para a capital paranaense (anteriormente, havia se apresentado em Curitiba no “lendário” bar Coração Melão, em 1996).

 

 


Aspecto da “South American Tour” da banda australiana Men At Work (Live Curitiba - (20/02/2024). Fonte: Cezar Galhart

 

 

Formada em Melbourne (Austrália) em 1979, no contexto da New Wave, movimento musical caracterizado por sonoridades influenciadas pelo Pós-Punk e Reggae, ao mesmo tempo em que lançaram o primeiro álbum, produziram diversos videoclipes, marcados por narrativas que mesclavam reflexões sobre o existencialismo, fracassos e muito humor. Rapidamente, conquistaram sucesso internacional, projetando a banda nos principais rankings de sucessos e exposição visual, resultando em certificações de vendas e premiações. Tão meteórico quanto esse êxito foi a dissolução da banda, em 1985, após o terceiro álbum de estúdio.

 

Da formação original, e desde então, Colin James Hay, compositor, multi-instrumentista, cantor e ator, reformulou a banda diversas vezes, com o nome original, inclusive com o retorno de Greg Ham (falecido em 2012) em diversas oportunidades, sendo duas dessas no Brasil, com a primeira registrada ao vivo no álbum “Brazil”, de 1996.

 

Hay também desenvolveu uma bem-sucedida carreira solo, com quinze álbuns lançados e turnês mundiais, contemplando passagens também pelo Brasil em quatro oportunidades, com destaque para a segunda edição do Rock In Rio, em 1991, sendo duas apresentações em Curitiba, em 2007e 2011. Destaca-se também as três oportunidades em que Hay integrou a All-Star Band, projeto do magistral baterista e Beatle Ringo Starr com músicos de diversas e renomadas bandas.

 


Aspecto da “South American Tour” da banda australiana Men At Work (Live Curitiba - (20/02/2024). Fonte: Thales Beraldo

 

 

Neste ano, Hay voltou ao Brasil para uma turnê regional, intitulada “South American Tour” (que, além do Brasil, shows no Peru e Chile, sendo cancelada uma única apresentação que ocorreria em Bogotá, Colômbia), sendo três shows no território nacional (Rio de Janeiro, Curitiba e São Paulo, nesta ordem), com a designação Men At Work. Colin  é o único membro original (de fato, membro-fundador) e foi acompanhado de uma excelente banda formada pela esposa, a cantora Cecilia Noël no backing vocals e percussão; Scheila Gonzalez, saxofonista, tecladista, flautista e percussionista; San Miguel Perez na guitarra solo e backing vocalsYosmel Montejo, no baixo e backing vocals; e Jimmy Branly, na bateria e percussão.

 

Em Curitiba, o show analisado foi realizado no dia 20 de fevereiro para uma esfuziada plateia que lotou a Live Curitiba, local do evento. A sinergia foi tão significativa que era visível a satisfação e alegria da banda, como um todo. Mesmo com apenas três álbuns, sendo o último lançado há quase quarenta anos, as canções se mantêm vívidas e presentes, como se pertencessem a um catálogo mais recente.

 

Mesmo com alguns minutos de atraso para o início da apresentação, o que ocasionou alguma apreensão e ansiedade percebida em parte da plateia, a expectativa foi atendida e mesmo superada, sem dúvidas. Com dezenove canções, os principais hits foram mesclados com canções da carreira solo de Colin Hay, coerentemente. A iluminação cênica, principal objeto de análise, mesmo com uma configuração predominantemente simétrica, proporcionou dinâmicas e atratividade, conforme será complementado, na sequência.

 

 


Aspecto da “South American Tour” da banda australiana Men At Work (Live Curitiba - (20/02/2024). Fonte: Cezar Galhart

 

 

Nas duas primeiras canções, “Touching the Untouchables” (do primeiro álbum Business as Usual, de 1982) e “No Restrictions” (do álbum Cargo, de 1983), luzes mais sóbrias e uniformes, predominantemente azuis e estáticas, estabeleceram um contexto mais nostálgico e fiel à visualidade dos shows que apresentaram a banda ao cenário musical mundial, no início da década de 1980, com fachos também azulados, em uma composição monocromática. Na continuidade, duas canções da carreira solo – “Come Tumblin’ Down” (do álbum Fierce Mercy, de 2017) e “Can’t Take This Town” (de Peaks & Valleyslançado em 1992), introduziram fachos com variações de intensidade do âmbar, em contrastes bem definidos e circulares.

 

Foi em uma sequência de faixas mais conhecidas, com “Down by the Sea” (também do debut, Business as Usual, de 1982), “Everything I Need” (única do terceiro álbum Two Hearts, 1985, e que fez um significativo sucesso no Brasil), “Blue for You” (Cargo, de 1983) e “I Can See It in Your Eyes” (também de Business as Usual) que a iluminação cênica passa de contextos mais sutis e delicados para uma erupção visual, com luzes em cores vívidas, quentes, e tão ou mais dominantes. Estabelecia-se a partir desse bloco uma ruptura sonora e visual, com a adição de efeitos e novos elementos, com luzes móveis e intensas.

 

Na execução de “Dr. Heckyll & Mr. Jive” e “No Sign of Yesterday”, ambas de Cargo (1983), uma retomada nas transições sutis e padrões mais uniformes e monocromáticos, em preparação para uma nova sequência de canções arrebatadoras, com “Who Can It Be Now?”, “Underground” e “Catch a Star” (todas de Business as Usual, de 1982), evocando as sonoridades mais marcantes e que evidenciam a estética sonora da banda. Se uma das funções da iluminação cênica reside justamente no destaque, coube a esse momento um realce efetivo, enfático e pontual, com luzes brancas dirigidas e verticalizadas, contextualizando os pilares que sustentam os elementos visuais e sonoros dessa emblemática banda.

 

 

 


Aspecto da “South American Tour” da banda australiana Men At Work (Live Curitiba - (20/02/2024). Fonte: Thales Beraldo

 

 

Para encerrar o repertório principal, “Upstairs in My House”, “It's a Mistake” (todas de Cargo, de 1983), tendo a conhecida “Down Under” do álbum de estreia, estendida com improvisos e solos incidentes para a apresentação dos músicos que acompanham Colin Hay nesta turnê. Por se tratar do momento mais esperado – com  dois dos hits mais apreciados pelos fãs – a iluminação proporcionou um encerramento apoteótico, intenso, fascinante.

 

 

No bis, após a entoação do característico “parabéns” mas em um formato “bilingue” (cantado em inglês com trechos na língua portuguesa) em celebração do aniversário do produtor do espetáculo, as canções “Into My Life” (do álbum solo Wayfaring Sons, de 1990, e possivelmente, a mais conhecida do trabalho de Colin Hay), finalizando com outra canção entoada a plenos pulmões pela plateia “Be Good Johnny” (faixa que também integra o álbum Business as Usual, de 1982). Mais uma vez, contrastes nas formas e na composição visual do palco, com luzes brancas sequenciadas, intensas, dinâmicas.

 

 

 


Aspecto da “South American Tour” da banda australiana Men At Work (Live Curitiba - (20/02/2024). Fonte: Thales Beraldo

 

 

Em um espetáculo que prezou pela satisfação dos diversos e heterogêneos públicos, não somente se destacaram o entrosamento, preciosismo e fidelidade aos arranjos originais, como diversos momentos de improviso e reconhecimento aos talentos dos músicos, generosamente valorizados pelo protagonista principal, Colin Hay, como pela produção elogiável, impactante, impecável.

 

Abraços e até a próxima conversa!

 

 

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