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REPORTAGENS / Colunas

I.A. na iluminação cênica: convergências e dispersões

09/09/2024 - 08:24h
Atualizado em 09/09/2024 - 08:26h



Foto abertura: Inteligência Artificial Generativa usada para criar uma imagem de um palco com iluminação cênica. Fonte: Freepik (2024)

 

 

A evolução tecnológica em diversas áreas da sociedade e do entretenimento, especificamente como área ou campo de maior aderência da Iluminação Cênica, tem, nos últimos quarenta anos, nos dado as mais promissoras contribuições nas inovações associadas aos equipamentos, instrumentos, protocolos de comunicação e na automação de projetos e sistemas. Nesta conversa, serão abordados os impactos da Inteligência Artificial (IA) com suas particularidades, potencialidades e perspectivas, como recursos capazes de convergir propostas e soluções, ao mesmo tempo em que apresenta distorções e dispersões de ideias e reflexões.

 

 

A inteligência artificial (IA) tem sido objeto de pesquisa, desenvolvimento e aplicações, principalmente originadas na ciência da computação, sendo a IA atribuída a equipamentos (hardware – computadores, periféricos, interfaces físicas) e softwares (programas e aplicativos) capazes de simular ou produzir resultados semelhantes às tomadas de decisões humanas (no campo cognitivo) e na realização de tarefas (quando mais simples, pela execução de funções operacionais).

 

 

Não se trata de uma temática exclusivamente atual e contemporânea. Desde a década de 1950 que a IA integra o imaginário. Mais recentemente, já está presente há algum tempo algumas atribuições cotidianas. Podemos ver ela associada às pesquisas em websites e plataformas digitais; aos famosos algoritmos que “adivinham” interesses e afinidades nas mídias sociais digitais e  no atendimento de canais de comunicação via telefone ou web, com o direcionamento de necessidades na busca de atendimento direcionado. Na atualidade, é aplicada na produção de veículos e meios de transporte autônomos e em diversas soluções como dispositivos de reconhecimento de voz e traços faciais, automação e sistemas de “residências inteligentes” e na análise de currículos, entre outras aplicações.

 

 

Por se tratar de uma área estratégica e potencialmente transformadora dos processos e procedimentos - que para algumas atividades ainda artesanais suscitam dúvidas e temor com a “substituição das pessoas por computadores” - surgem discussões sobre os reais benefícios, os promissores avanços e as relações de dependência para essas tecnologias, principalmente no que se refere aos limites éticos e contribuições da IA em diversas áreas, inclusive a Iluminação Cênica.

 

 

Nesse contexto, tudo o que pode emular escolhas e decisões pode ser associado às possibilidades imediatas da IA. Isso pode ser atribuído tanto a uma sequência de luzes contextualizada em um determinado padrão musical, rítmico ou temático, como também pela possibilidade de “ensinar” um computador a entender um processo de criação de um projeto de iluminação para shows a partir de diversos “prompts” (textos explicativos e estruturados para indicar aos computadores os critérios, os parâmetros, os princípios, procedimentos, entre outros aspectos).

 

 

Nisso, não há muitas novidades, se consideradas as diversas configurações e capacidades dos consoles mais sofisticados disponíveis no mercado (aqui não são considerados os shows integralmente programados). A partir do momento que determinadas plataformas de IA são utilizadas para produzir códigos de programação e - especificamente para o protocolo DMX 512 - estabelecer o endereçamento de todos os elementos de um sistema de instrumentos de iluminação cênica, efeitos e dispositivos (nesse caso limitado a 512 componentes) o gerenciamento desses recursos pode ser controlado por computadores que executarão tarefas e comandos com padrões ou demandas preestabelecidas.

 

 

O que pode surpreender, de fato, é a possibilidade de integração entre linguagens diferentes que suscitam múltiplas interações, por exemplo, entre música – melodias, harmonia, ritmos –, interpretação textual das letras das canções (quando existentes ou cabíveis) e análise de projetos já desenvolvidos por diversos profissionais, traduzidos em escolhas, combinações, decisões.

 

 


Aspecto da interface MaestroDMX com instrumentos compatíveis com o protocolo DMX. Fonte: Funktasy (2023)

 

 

Como exemplo prático, a empresa de tecnologia canadense Limbic Media lançou em 2022 o MaestroDMX, uma interface autônoma para instrumentos de iluminação cênica compatíveis com o protocolo DMX, capaz de produzir iluminação cênica com resposta sonora, a partir da integração com outra interface sonora ou controlada por MIDI. Uma análise superficial dos vídeos disponíveis com demonstrações indica uma ferramenta interessante para estruturas modestas, sendo, portanto, uma alternativa para produções restritas e com determinadas limitações.

 

 

Parte dos estudos e pesquisas, já com equipamentos disponíveis na indústria, está associada aos efeitos visuais, sincronizados com outros conteúdos (tais como vídeos) para proporcionar experiências imersivas, a partir de projeções dinâmicas, animações ou hologramas que respondem ao clima, ritmo ou estilo das canções, podendo, com base em parâmetros luminotécnicos, controlar a cor, intensidade ou movimento das luzes.

 

 

Nisso, outro exemplo pode ser associado com o Anahtar Processing System (ANAPRO) produzido pela empresa turca Anadolu Processing. Trata-se de um sistema que usa aprendizado de máquina para analisar e processar performances ao vivo em tempo real. Ele foi criado para produzir projeções de laser sincronizadas com a música e com os movimentos no palco associado a efeitos, fazer controle de cor e brilho e alterar o modo e a velocidade das luzes a partir de critérios como o ritmo e, inclusive, “emoções” das canções.

 

 


Aspecto do sistema ANAPRO com efeitos e luminárias de laser. Fonte: Newfeel Laser (2023)

 

 

Na atualidade, a análise de imagens permite um mapeamento completo de associações entre cores, dinâmicas, combinações de luminárias, tempo de resposta, entre outros, e se forem dedicadas horas, dias, semanas e meses, pode-se capacitar um computador a “pensar” como um Lighting Designer para produzir projetos, inclusive inéditos, a partir de combinações meticulosas. Conhecida como “iluminação inteligente”, essa abordagem é apoiada em sistemas de iluminação que são alimentados por IA e que, a partir de padrões definidos para o sincronismo dos componentes integrantes em um “rig” de iluminação aos elementos musicais – som, movimento e timbre –, proporciona experiências visuais deslumbrantes.

 

 

Se consideradas as potencialidades desses sistemas serem “ensinados” a interpretar estímulos provocados pela mudança de tempo e mesmo compassos musicais, ou outros, tais como melodias, ou ainda integrados com câmeras de reconhecimento dos movimentos dos artistas no palco com dispositivos de captura de movimentos, e com o estabelecimento de respostas produzidas a partir de múltiplas combinações, os resultados podem ser espetaculares.

 

 

No entanto, deve-se destacar também que, assim como a luz, há dispersões sobre algumas abordagens relacionadas à IA. Deve-se principalmente distinguir dois tipos mais recorrentes de IA: a Inteligência Artificial Generativa e outra, conhecida como Inteligência Artificial Discriminativa. Enquanto a IA Generativa tem como objetivo a criação de conteúdos inéditos – textos, imagens, músicas, sons, animações e vídeos, por exemplo – a IA Discriminativa tem como enfoque a classificação ou identificação de conteúdo com base em bancos de dados (códigos, imagens, textos, vídeos) preexistentes.

 

 


Iluminação Cênica com automação gerada por IA. Fonte: Medium (2023)

 

 

Em qualquer um desses tipos de IA, há múltiplas possibilidades e aplicações na iluminação cênica dos espetáculos e shows. No entanto, surge uma dúvida: há limites? Na IA Discriminativa, há necessidade fundamental de que muitos projetos de iluminação cênica sejam mapeados e disponibilizados – podendo, inclusive, ser utilizada alguma ferramenta de IA para analisar, classificar, mapear e disponibilizar essas informações.

 

 

Na IA Generativa, nesse momento em que esse texto da coluna é produzido, ainda há muitas falhas e distorções. Se imaginado um software de simulação, os resultados podem ser espantosos. No entanto, na montagem e principalmente nos testes, por enquanto, alguns ajustes “finos”, seja pela necessidade de alguma modificação pontual ou recombinação circunstancial, mesmo para instrumentos de iluminação totalmente automatizados, torna-se imprescindível, na atualidade, a presença de profissionais qualificados, experientes e criativos.

 

 

Outra questão: é possível ensinar uma máquina a “improvisar”? Se definidos parâmetros com exatidão para imprevistos e algumas modificações em tempo real, torna-se possível essa demanda. Se o computador aprender que a estrutura musical de uma canção, caso seja modificada por algum motivo, e se forem instruídos os requisitos capazes de identificação e substituição, por exemplo, torna-se possível.

 

 


Iluminação cênica – manipulação e sensibilidade humana. Fonte: Apial (2021)

 

No entanto, fica a quest]ao: é possível emular a sensibilidade e apreço à criatividade com esses recursos? Possivelmente, nunca. A capacidade inventiva das pessoas, muitas vezes desencadeada por emoções, sentimentos, nostalgia, experiências únicas, não pode ser antecipada senão pela própria ordem do sensível que integra a essência humana.

 

 

Finalmente, a IA está à disposição para aprendizado, otimização, experimentações, ou mesmo soluções pontuais e muito específicas. Cabe aos profissionais, entusiastas, pesquisadores e outros interessados buscar com essas ferramentas expandir as possibilidades, de maneira a encontrar convergências entre os benefícios que esses recursos podem oferecer, aliados aos processos criativos, essencialmente humanos, condicionados à percepção sensorial e sensibilidade.

 

 

Abraços e até a próxima conversa!

 

 

 

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