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REPORTAGENS / Colunas

Homenagem a David Crosby

20/01/2023 - 15:38h
Atualizado em 20/01/2023 - 15:38h



Fotos: Divulgação / Arquivo / Taylor Jewell / INvision / AP

 

Lá pelos 70, enquanto começávamos a pensar no que futuramente seria chamado pela mídia de “rock rural”, eu, Zé Rodrix e Guarabyra passávamos tardes inteiras num apartamento de Ipanema ouvindo em volume máximo - através de portentosas caixas de concreto (sim, concreto, cimento...) que abrigavam quatro falantes Wharfdale de 18 polegadas e alguns tweeters menos votados - um trio norte-americano folk recém chegado aos nossos ouvidos. Enquanto nos enredávamos pelos vocais elusivos do trio, que transformava melodias enganosamente simples em fascinantes jogos harmônicos, o apartamento 101 da rua Alberto de Campos, 111, balançava ao som de Crosby, Stills & Nash. Quando decidimos enfim ser um trio, chegamos à conclusão que a melhor homenagem aos que nos inspiraram no quesito “rock” - porque a parte “rural” cavamos fundo no fértil chão brasileiro – seria, como eles o fizeram, juntar nossos sobrenomes, um monossílabo, um dissílabo e um polissílabo. Daí o Sá, Rodrix & Guarabyra.

 

Anos depois, já na segunda década do novo século, recebo um telefonema do amigo Gegê Lara, empresário musical mineiro e meu parceiro desde o começo de nossa carreira, profundo conhecedor de meus gostos e desgostos:

 

- Estou trazendo Crosby, Stills & Nash aqui pra BH. Quer ir?

Tremi ao celular como um estreante cantando para uma multidão.

-Isso é sério? eles vêm mesmo?

 

Mas antes que pudesse raciocinar, entrei numa nuvem pelo resto da semana e acabei por me ver ao lado dele, Gegê, num mezanino reservado nas alturas do ginásio Marista, desacreditando de meus ouvidos que escutavam “Marrakesh Express” ao vivo , por seus criadores originais.

 

Quando consegui voltar a mim, Gegê me carregava escadas abaixo, ao som do último bis:

 

- Vamos falar com eles.

 


Nash & Stills

 

Tenho até hoje incrustrada em mim como uma craca cortante de um litoral traiçoeiro essa alma jornalística que me atacou antes mesmo que a música. Enquanto despencava rumo ao camarim do trio, pensava desesperadamente no que ia falar com eles. Pareceria idiota dizer que nos espelhamos em seus sobrenomes? Ficaria bem perguntar por Neil Young, que passou um bom período fazendo do trio um quarteto? Aperto as mãos? Abraço e juro eterna devoção ao que eles fizeram? Explico em detalhes como aqueles meses de CSN no apartamento de Ipanema mudaram meus rumos musicais? Tarde demais. A porta se abriu e eu estou diante de Stephen Stills e Graham Nash. Cadê o Crosby? Antes que eu pudesse abrir a boca, Gegê convocou o fotógrafo e tiramos uma foto. Engatei um papo com Nash e cantei para ele um trecho de “Our House”, música que ele escreveu para minha não menos ídola Joni Mitchell. Reparei que Stills olhava aquilo tudo como se estivesse em outra dimensão. Nash reparou minha estranheza e explicou:

 

- Não liga não, Steve já tirou o aparelho auditivo. Ele não tá escutando nada.

"Então” – pensei – “como Beethoven, um de meus compositores e guitarristas preferidos é surdo como uma porta...”  

 

Outras pessoas entraram pelo camarim e eu me despedi dos dois. Fui para a antessala, onde Crosby estava, conversando com as pessoas que o cercavam. Quando eu perguntara pelo motivo da ausência de Crosby durante uma boa parte do show, Nash me dissera que ele estava se recuperando de problemas de saúde e precisava de um descanso de vez em quando. As loucuras dos anos 70 cobram até hoje sua amarga conta de muitos de nós, sejamos quem sejamos, vivamos onde quer que sobrevivamos.

 

No final das contas Gegê juntou todos nós e comandou uma foto coletiva. Hoje, ao receber a notícia da morte de Crosby, procurei essa foto e não achei. Só encontrei a minha com Stills e Nash.

 

As gerações que me influenciaram estão partindo. Mas aí penso nos benefícios da internet, que eterniza sons, imagens e desejos para todo o sempre. Como é boa a modernidade. Como é bom poder tocar um instrumento.

 

Crosby, você me deve uma foto. Mas sua dívida está pra lá de paga pelo que eu ouvi da sua voz, da sua guitarra, das suas composições.

 


Crosby é o segundo da esquerda para a direita

 

 

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