Anuncio topo
REPORTAGENS / Colunas

Eric Clapton no Brasil: dinâmicas sutis e muito feeling

29/11/2024 - 10:55h
Atualizado em 29/11/2024 - 10:55h

Foto: Aspecto do show de Gary Clark Jr. e banda (Ligga Arena) (24/09/2024). Fonte: Cezar Galhart.

 

Na iluminação cênica, o termo “dinâmica” adquire diversos significados e contornos quando associado à capacidade de proporcionar luzes móveis, formatos distintos, como também variação de cores, intensidades e efeitos. Para determinados espetáculos, as dinâmicas são sutis, alinhadas a conceitos ou propostas mais intimistas, associadas à “ordem do sensível”. Nesta conversa, centrada no espetacular show de Eric Clapton, a dinâmica atribuída à iluminação cênica também pode ser analisada a partir de outros aspectos e detalhes de um show magistral.

 

Desde as produções do arquiteto e Lighting Designer suíço Adolphe Appia (1862-1928), realizadas ou idealizadas no início do século XX, a iluminação cênica passou a ser protagonista e dinâmica. Na sua concepção de “Luz Ativa”, Appia potencializava a capacidade da iluminação de articular os outros elementos cênicos em uma simbiose simbólica e surpreendente. No entanto, mesmo para Appia, essa dinâmica nem sempre era produzida com a movimentação das luzes, mas na ação do elenco e sua relação com texto e ritmo.

 

Nessa concepção, surgem diversas abordagens e possibilidades para a interação da iluminação cênica com o “Mise en Scène” – a totalidade dos elementos cênicos, pessoas e objetos – com dinâmicas extravagantes e alucinantes, como também sutis e intimistas. Nessa última acepção se enquadra a percepção do espetáculo aqui analisado.

 

Eric Patrick Clapton carrega em seu nome tantas referências que dispensa apresentações mais detalhadas. Com uma trajetória de sessenta anos na música, integrou bandas como John Mayall & The Bluesbreakers, The Yardbirds, Cream, Delaney & Bonnie, Blind Faith, além de uma carreira solo na qual lançou vinte e dois álbuns, sem contar trilhas musicais para filmes e álbuns com B. B. King e J. J. Cale, entre outros artistas, como também a participação decisiva em acontecimentos históricos e festivais ímpares, além de criar um centro de reabilitação – Crossroads Centre – e organizar o Crossroads Guitar Festival desde 1999. Também, Clapton é o único artista a ser indicado três vezes ao Hall da Fama do Rock & Roll (como integrante das bandas inglesas Yardbirds e Cream e como artista solo). Por curiosidade, Clapton também atuou em filmes como “Tommy” (1975) e “Os Irmãos Cara de Pau 2000” (1998), entre outros.

 

Em sua quarta passagem pelo Brasil (anteriormente em 1990, 2001 e 2011), Eric Clapton se apresentou com banda em três cidades para quatro shows, sendo o primeiro show dessa série em Curitiba e pela primeira vez nessa cidade, no dia 24 de setembro deste ano, na Ligga Arena (estádio do Club Athletico Paranaense).

 

Para essa, que foi chamada de “South America Tour 2024” (também com passagem em Buenos Aires, Argentina, para um único show), Clapton veio acompanhado de uma banda espetacular formada pelo exuberante baixista Nathan East (também vocais e backing vocals), que grava e excursiona com Clapton desde 1985; Doyle Bramhall II, que tem acompanhado Clapton desde 2000 na guitarra; Sonny Emory, ex-integrante de Earth, Wind & Fire e Chic, entre outros, na bateria; Chris Stainton, que integrou bandas com Joe Cocker, Bryan Ferry, entre outros, nos teclados; Tim Carmon, que também já excursionou com Paul McCartney, Bob Dylan, B. B. King, no Hammond e sintetizadores; finalmente, Sharon White e Katie Kissoon (esta que acompanha Clapton desde 1986) nos backing vocals, ambas com participações de turnês de Elton John, George Harrison, George Michael, entre outros.

 

A iluminação cênica das turnês de Eric Clapton tem sido concebida desde 1996 pelo Lighting Designer irlandês David “Dave” Maxwell. Além de Clapton, Maxwell tem no seu currículo projetos e turnês com Rod Stewart, Luis Miguel e a cerimônia de encerramento da Copa do Mundo de 1998, em Paris, somente para citar alguns trabalhos.

 


Aspecto do show de Eric Clapton e banda (Ligga Arena) (24/09/2024). Fonte: Diego Iost @diego.iost.

 

Na concepção da iluminação cênica, Maxwell tem alguns aspectos relevantes para o palco. Dentre esses elementos, a inexistência de alguma hierarquia criada por contraste de luz, mesmo que isso proporcione, em alguns momentos, sombras e penumbras. Com isso, uma iluminação mais uniforme – porém dinâmica. Também, os shows de Clapton tendem a ser descontraídos e casuais, ou seja, prezam por uma ambientação informal e sem efeitos especiais. Com essas premissas, serão apontados detalhes e observações sobre o espetáculo principal.

 

Para o show de abertura, iniciado no horário de 19h20min, o virtuoso guitarrista e cantor estadunidense Gary Clark Jr., aclamado pela versatilidade com que compõe misturando Blues, Rock’n’Roll e elementos de Hip Hop. Em uma trajetória musical iniciada em 1996 e com seis álbuns de estúdio desde 2001, Gary Clark Jr. recebeu quatro Grammy Awards em 2020, além de outras premiações. Desde 2015, o Lighting Designer estadunidense John Adamo tem sido responsável pelos projetos e programação para todas as turnês, com composições visuais exuberantes que prezam por fachos paralelos ou radiais bem definidos.

 

Pontualmente no horário de 21h00min, Eric Clapton entrava no palco para iniciar o show com “Sunshine Of Your Love”, emblemática canção da banda inglesa Cream, dividindo os vocais com Nathan East. Evidenciava-se, desde os primeiros momentos, um “clima” despojado, porém sério, descontraído e leve, ao mesmo tempo em que os timbres sonoros, tanto os inconfundíveis sons da guitarra Fender Stratocaster, quanto a sonoridade da voz brilhante e robusta, impressionaram pela qualidade, equalização e equilíbrio.

 


Segmento acústico do show de Eric Clapton e banda (Ligga Arena) (24/09/2024). Fonte: Thales Beraldo.

 

Na sequência do show, naquele que é atribuído como primeiro bloco “elétrico”, “Key to the Highway” (canção de Big “Bill” Broozy e Charles Segar, registrada no álbum ‘Eric Clapton's Rainbow Concert’ de 1973), “I'm Your Hoochie Coochie Man” (canção de Willie Dixon registrada pela primeira vez com John Mayall em 1966). Para fechar, uma versão de “Badge” (mais uma canção gravada com a banda inglesa Cream, cuja composição foi realizada com George Harrison). Em cada solo, Clapton empunhava sua “marca registrada”: melodias fluidas com notas claras, intensas e repletas de “feeling” – dinâmicas capazes de proporcionar ao instrumento uma interpretação autoral única e distinta.

 

Na iluminação cênica, seis estruturas verticais similares a postes, equidistantes e em linha, além de uma sétima centralizada e mais à frente, equipados com pendentes uniformemente distribuídos no palco, ofereciam uma harmonização visual suave e monocromática em tons âmbar saturados. Um conjunto similar de luminárias, em pares de refletores e Moving Lights, pontuavam de maneira complementar, sem adicionar contrastes. Mais acima, cinco painéis com difusores na região central do palco, em angulação próxima a 75º de inclinação, com mais quatro desses mesmos painéis na parte frontal e voltados para o palco, uniformemente alinhados e inclinados em aproximadamente 165º, proporcionavam um preenchimento lumínico equilibrado, unitário e confortável.

 

Na segunda parte, a seção “acústica”, com esses painéis desligados, Clapton empunhou seu violão Martin 000-28EC para, sentado e sob uma iluminação dimerizada e com temperatura de cor mais quente, apresentar as canções “Kind Hearted Woman Blues” (clássico do seminal Bluesman estadunidense Robert Johnson, gravada por Clapton no álbum ‘Me and Mr. Johnson’ de 2004); a sensacional balada “Running on Faith” (originalmente registrada no álbum ‘Journeyman’ de 1989 e em versão acústica no ‘Unplugged’ de 1992); “Change the World” (composição da cantora de música country estadunidense Wynonna Judd, gravada por Clapton para a trilha musical do filme ‘Fenômeno’ de 1996); “The Call” (canção que integra o recém-lançado álbum ‘Meanwhile’ de 2024); e para finalizar, uma dobradinha do álbum ‘Unplugged’ de 1992 (simplesmente o álbum ao vivo mais vendido da História, com 26 milhões de cópias): “Nobody Knows You When You're Down and Out” (canção do compositor de Jazz estadunidense Jimmy Cox) e “Tears in Heaven”, uma comovente e emocionante canção sobre a perda do filho Conor Clapton. Nesse momento, a plateia, principalmente nas arquibancadas, ativou as lanternas dos smartphones para proporcionar uma contribuição espontânea e marcante.

 


Segmento elétrico do show de Eric Clapton e banda (Ligga Arena) (24/09/2024). Fonte: Thales Beraldo.

 

Para o segundo segmento “elétrico”, com todas as luminárias ativadas, uma nova dobradinha, agora do álbum ‘Journeyman’ de 1989: “Pretending” (a melhor do show) e “Old Love”. Na sequência, duas canções de Robert Johnson: “Cross Road Blues” (também conhecida apenas como “Crossroads”, gravada pela banda inglesa Cream) e “Little Queen of Spades” (mais uma gravada no álbum ‘Me and Mr. Johnson’ de 2004). Para finalizar essa seção, uma breve introdução com um instrumental de Bossa Nova que antecedeu “Cocaine” (canção do compositor J.J. Cale registrada no álbum ‘Slowhand’ de 1977), com o refrão cantado a plenos pulmões por uma plateia realmente engajada.

 

Após saída e breve retorno, Clapton e banda finalizaram com um bis, dessa vez com a participação de Gary Clark Jr. na guitarra, para encerrarem com a canção “Before You Accuse Me” (canção de Bo Diddley, também registrada no álbum ‘Journeyman’ de 1989). Nessa e em diversos momentos do show, Clapton gentilmente cedeu o protagonismo dos solos e improvisos aos excelentes músicos que o acompanham, tornando o espetáculo uma notável celebração do Blues e do Rock’n’Roll, com um repertório que contemplou canções de mais de cinquenta anos de uma trajetória grandiosa.

 


Encerramento do show de Eric Clapton e banda com Gary Clark Jr. (Ligga Arena) (24/09/2024). Fonte: Thales Beraldo.

 

Clapton não fez muitas interações verbais com o público; limitava-se a conversar com a plateia a partir dos solos melódicos e fascinantes ou por meio de agradecimentos aparentemente apáticos. Mesmo com essa percepção no palco que o consagrava, Clapton transmitia alegria e satisfação plenamente visíveis por uma iluminação aconchegante e agradável, além de respeito e generosidade com uma sonoridade impressionante, arrebatadora e coletivamente qualificada. Se Clapton era a estrela maior do espetáculo, os demais astros também irradiavam energia, profissionalismo e satisfação – plenamente correspondida pela plateia. Na iluminação cênica, o equilíbrio entre diversas dinâmicas, sutilmente aplicadas em diversos momentos, tornou o espetáculo ainda mais belo e memorável.

 

Abraços e até a próxima conversa!!!

 

  • COMPARTILHE
voltar

COMENTÁRIOS

Nenhum cadastrado no momento

DEIXE SEU COMENTÁRIO

Escreva sua opinião abaixo*